Como é possível que alguns
pássaros tenham comportamentos que parecem tão inteligentes quando eles
possuem, bem, cérebros de passarinho, pequeninos?
Corvos e papagaios são animais
notoriamente comparáveis a primatas em sua capacidade de guardar informações,
usá-las para resolver problemas, planejar para o futuro, fazer ferramentas, e
até mesmo reconhecerem a si mesmos no espelho. Mas possuem "cérebro de
passarinho", pequeno se comparado com cérebros de primatas de desempenho
semelhante. O cérebro do corvo, por exemplo, é do tamanho do cérebro de um
sagui - menor do que a ponta do seu polegar.
Uma possibilidade seria o
cérebro dos pássaros ser "especial" – como se dizia do humano, para
explicar nossa cognição tão complexa alcançada por um cérebro muito menor do
que de elefantes e baleias. O cérebro das aves, portanto, seria
"completamente diferente". De fato, ele não tem um córtex cerebral em
camadas como o dos mamíferos, e sim uma organização interna à primeira vista
bastante diferente, em zonas esféricas.
Mas um estudo alemão publicado
três anos atrás mostrou que, apesar disso, a organização funcional do pálio do
pombo, o correspondente ao córtex dos mamíferos, é idêntica à organização do
córtex de ratos, gatos, macacos e humanos. Os centros funcionais são os mesmos,
e conectados do mesmo jeito; apenas a disposição espacial é diferente, ora em
camadas, ora em esferas. Aves não são tão diferentes assim.
Outra possibilidade era o
pequeno cérebro das aves ocultar um número bem maior de neurônios, as unidades
de processamento de informação no cérebro. Como contar neurônios é nossa
especialidade, resolvemos estudar essa possibilidade, unindo forças com o neurocientista
tcheco Pavel Nemec, o pós-doutorando Seweryn Olkowicz, e mais um grupo da
Universidade de Viena, na Áustria.
O veredito foi publicado semana
passada na PNAS, revista da academia norte-americana de ciências: corvos,
papagaios e outras aves semelhantes reúnem números impressionantes de neurônios
em seus cérebros diminutos – tantos quanto em cérebros de primatas muito
maiores. O pálio da arara tem mais neurônios do que o córtex de um macaco reso
– mais até do que em uma girafa. Até mesmo o pombo, tão desprezado, tem quase
seis vezes mais neurônios no pálio do que um camundongo no córtex.
Mais uma vez, tamanho não é
documento: a natureza tem maneiras bem diferentes de construir cérebros. É hora
de transformar "cabeça de passarinho" em elogio!
Suzana Herculano-Houzel - neurocientista, professora da
UFRJ, autora do livro "Pílulas de Neurociência para uma Vida Melhor"
(ed. Sextante)
Fonte: www.suzanaherculanohouzel.com