Estratégia de IA brasileira é patética
Se
fosse apresentado como um trabalho de faculdade, o documento seria reprovado.
Há anos que o Brasil precisa de um plano nacional
de inteligência artificial.
Essa tecnologia representa uma oportunidade de
desenvolvimento e uma ameaça a países de renda média como o nosso, que não têm
conseguido sequer preservar seu parque industrial instalado.
Na semana passada, o Ministério da Ciência, Tecnologia e Inovação (MCTI)
finalmente publicou a aguardada Estratégia Brasileira de Inteligência Artificial (Ebia).
O documento é apresentado de forma ambiciosa.
Logo no início diz pomposamente
que “esta estratégia assume o papel de nortear as ações do Estado brasileiro”
relacionadas à questão da IA.
Se o Brasil depender desse documento para
estruturar sua resposta aos desafios trazidos por essa tecnologia, nosso futuro
será tenebroso.
O documento publicado tem o nível de um trabalho de graduação
universitária malfeito.
Com uma diferença: custou recursos aos cofres públicos
e tem apenas 52 páginas. Trabalhos de faculdade costumam ser maiores que isso.
É difícil listar todos os problemas do documento.
O primeiro
deles é não ter nenhuma meta, orçamento, organização ou planejamento de
implementação.
O documento é uma reunião de platitudes e citações de dados
buscados na internet.
Mais do que isso, trata inteligência artificial como se fosse uma coisa só.
Ignora a complexidade de disciplinas totalmente distintas —como aprendizado de
máquina, processamento de linguagem natural, visão computacional e outras— que
demandam ações também distintas e específicas.
Para escrever esse triste documento, o MCTI realizou uma consulta pública entre
dezembro de 2019 e março de 2020. Houve mais de mil contribuições, muitas delas
substanciais.
Quem contribuiu perdeu seu tempo. O documento nem sequer se deu
ao trabalho de considerar ou tabular as contribuições.
Mais do que isso, o trabalho tem gráficos risíveis. Além disso,
há um capítulo que fala do uso de IA no setor público, tema essencial para o
país. Mesmo essa parte é vergonhosa.
Ignora os usos de IA por parte do Poder
Judiciário e as iniciativas do Conselho Nacional de Justiça. Cita apenas casos
esparsos, mesmo com o tema já bem documentado no país.
Quando
comparado com outras estratégias nacionais de IA, a frustração só aumenta.
O plano do Japão tem todo um detalhamento de política industrial
relacionado a IA. O da Índia, um projeto claro de uso de IA como revolução no
agronegócio.
O do Uruguai, um logo caminho de digitalização do poder público.
Já o plano brasileiro tem recomendações como “estimular
parcerias com corporações” ou “fomentar a exportação de sistemas de IA
brasileiros”. Que corporações? Que sistemas?
O único momento em que a estratégia acerta é na descrição da
miséria do país no que tange a inovação.
Ao recortar e colar dados da internet, o documento reproduziu
com tintas oficiais que nosso país ocupa a 101ª posição global em habilidades
técnicas e a 96ª posição em capacidade de atrair talentos.
Na América Latina, o
país fica “atrás de países como “Trindade (sic) e Tobago, Jamaica, Panamá e
Peru”, nas palavras do próprio relatório.
Se fosse apresentado como um trabalho de faculdade, a Estratégia
Brasileira de IA seria reprovada.
Como política de Estado, ela é um desastre.
Mostra que o país está à deriva. Se essa é a contribuição do MCTI para o tema,
estamos lascados.
Ronaldo Lemos - advogado, diretor do
Instituto de Tecnologia e Sociedade do Rio de Janeiro.