Objetivo
da obra é conscientizar para o fato de que entender informações é um direito
social
Um aviso num ponto de ônibus carioca indicava:
"Racionalização das linha da zona sul". Mas o que ele deveria
explicar —mudanças súbitas nas linhas de coletivo em 2016— não estava
claro.
Era "um cartaz muito ridículo", resume Heloisa
Fischer. A jornalista e pesquisadora, 51, vê naquele momento a semente de uma
causa que virou trabalho, ou vice-versa: o estudo da linguagem clara. Parecem
só duas palavrinhas, mas significam todo um movimento, iniciado há mais de 40
anos, primeiro nas sociedades de língua inglesa, sob o nome de "plain
language".
A jornalista Heloisa Fischer, autora do livro "Clareza em
Textos de e-gov, Uma Questão de Cidadania"
O
objetivo é conscientizar para o fato de que entender informações é um direito
social. Fischer não sabia ainda que o movimento existia e que a busca por uma
comunicação mais eficiente, sobretudo nos textos públicos, se tornaria
tema
de pesquisa e, hoje, livro. Foi um caminho intenso até chegar a "Clareza
em Textos de e-gov, Uma Questão de Cidadania", que ela lança em São Paulo
nesta quarta (5), dentro do 3º Encontro Brasileiro de Governo Aberto.
Naquele
dia, ela voltou para casa encafifada. "Sempre fui, como cidadã e
consumidora, bem questionadora e criteriosa, meio chatinha."
Ela
recorda ter "enchido muito o saco" de seu então namorado, hoje
marido, o jornalista e escritor Sérgio Rodrigues. Até que, conta, ele lhe
disse: "Tem um pessoal lá na Inglaterra que é preocupado com essas
coisas".
Fischer
descobriu que tinha uma afinidade com o tema —"trabalhei por muito tempo
fazendo isso sem saber". Por anos, tocou uma plataforma de
"facilitação de acesso ao conteúdo de música clássica, que é meio
enrolado".
Seguiu
o conselho e foi atrás do "plain language". Primeiro estudou só,
depois numa especialização em cultura do consumo na PUC-Rio.
No
livro, que ela mesma editou, Fischer conta a história do movimento no mundo e
no Brasil e faz um diagnóstico da aplicação —ou falta dela— em peças de
comunicação do governo na internet.
Placa em agência dos Correios citada em site de projeto da
pesquisadora
Heloisa Fischer como exemplo negativo de comunicação pública
Hoje,
diz, o país tem uma política de governança digital. Ou, em bom português
"vai na internet"; "não tem balcão, não tem telefone, você tem
que se virar".
Mas,
recorda, a maioria da população acima dos 50 anos se enquadra na categoria dos
analfabetos funcionais. Justamente, diz, os que mais usam serviços sociais. No
Brasil não havia, até o livro de Fischer, nenhuma obra sobre o tema —mesmo em
outros idiomas, há pouca bibliografia, explica a autora.
Existe,
contudo, um entendimento de que a compreensão das comunicações é importante, e
surgem iniciativas, mais ou menos esparsas, para combater o
"burocratês", "juridiquês", o "academiquês".
Manuais,
informes, instruções em hospitais, contratos, termos e condições na internet,
formulários de órgãos públicos variados —o campo de aplicação dos estudos de
linguagem clara é vastíssimo. Em termos acadêmicos, porém, falta
desenvolvimento, e mesmo o ativismo ainda é incipiente no país.
Fischer
é cofundadora do LincLab (Laboratório Interdisciplinar de Linguagem Clara) e
toca o projeto Com Clareza (comclareza.com.br), de sensibilização para a causa.
Agora, prepara-se para dar uma oficina sobre o tema no Rio,
em
março, e para um mestrado. Contudo, mais do que a estruturação do campo
acadêmico, é a causa da linguagem clara que importa, diz.
"O
mais importante é problematizar, porque a gente acaba normalizando essa
informação truncada, enrolada, floreada sem motivo, que faz a gente perder
tempo."
Fonte: Francesca Angiolillo |
jornal FSP