Antes dos 40 anos nem
percebemos que o córtex visual trabalha o tempo todo para manter a visão
focada.
A idade me pegou: agora preciso de óculos não só para longe
(para corrigir um astigmatismo pequeno, mas que está piorando), mas também para
perto –a tal da "vista cansada" ou presbiopia.
O problema é que os músculos de dentro dos meus olhos não
conseguem mais alterar o formato do cristalino, a lente interna que focaliza
imagens sobre a retina. Essa lente muda de forma, ficando mais arredondada
conforme o objeto para o qual olhamos se aproxima –como quando meu filho vem
falar comigo. Sem isso, a imagem "cai" cada vez mais fora da retina,
ficando desfocada –e me descobri afastando o rosto do dele para poder vê-lo.
Até uns 40 anos de idade, a correção acontece tão bem e tão
rapidamente que nem nos damos conta de que o córtex visual está permanentemente
trabalhando para manter a visão focada, comandando correções assim que a imagem
formada começa a ficar borrada.
Normalmente, a correção, feita via sistema nervoso
parassimpático e sob comando do mesencéfalo, sob ordens do córtex visual,
equivale a inserir uma lente de até três dioptrias (unidade de medida que afere
o poder de refração das lentes) na frente da retina, dependendo da distância
até o objeto que ganha o foco da sua atenção.
Quando os olhos conseguem responder à altura, ótimo. Senão, é
preciso colocar uma lente externa para ajudar na tarefa: os óculos.
Como todo o resto, só nos damos conta de quanto o cérebro
trabalha para manter nosso cotidiano "normal" quando as falhas
aparecem. Mas tão impressionante quanto todo esse trabalho normal, anterior às
falhas, é a nossa capacidade de também nos adaptarmos a uma nova realidade
visual, com óculos –sobretudo quando não são lentes simples.
Na tentativa de resolver ao mesmo tempo minhas deficiências
visuais para perto e para longe, apelei para óculos multifocais, capazes de
fazer a correção com dioptrias diferentes em pontos diferentes das lentes.
Quem se adapta a eles aprende a conviver com "zonas de
visão" para perto, a meia distância e para longe, o que envolve mover não
só olhos como a cabeça.
Meus pais se adaptaram. Eu bem que tentei, mas por enquanto não
deu. Não consigo lidar com o fato de ter que mover a cabeça, e não simplesmente
os olhos, para ver em foco. Vou voltar aos meus "oclinhos" de
leitura, mesmo, com tecnologia de mais de 700 anos atrás, enquanto a ciência
não resolver o meu problema.
Suzana Herculano-Houzel - neurocientista, professora da
UFRJ, autora do livro "Pílulas de Neurociência para uma Vida Melhor"
(ed. Sextante)
Fonte: www.suzanaherculanohouzel.com