Idosos isolados podem sofrer
perda de volume cerebral, mostra estudo
Perda cognitiva pode ser acelerada por depressão causada por perda de
massa do cérebro.
Idosos que vivem isolados socialmente, encontrando ou
interagindo raramente com amigos e familiares, têm maior perda do volume
cerebral e sintomas de depressão, quadro que, a longo prazo, aumenta o risco de
doenças neurodegenerativas, como demência.
Um novo estudo, conduzido com
8.896 idosos no Japão sem diagnóstico prévio de demência, indicou que a perda de volume cerebral foi maior
naqueles que viviam isolados (67,8% contra 67,3%), assim como as lesões foram
em média 0,27% maiores neste grupo.
Embora sejam valores com uma diferença pequena
(cerca de 0,75% de variação), eles são estatisticamente significativos e
demonstram uma associação clara da solidão com esses efeitos negativos na
diminuição cerebral, afirmam os
autores.
A pesquisa saiu nesta
quarta-feira (12) na revista especializada Neurology,
publicada pela Academia Americana de Neurologia, com apoio da Agência Japonesa
para Pesquisa Médica e Desenvolvimento.
Coordenou o estudo o cientista
Toshiharu Ninomiya, do Departamento de Epidemiologia e Saúde Pública da
Universidade de Kyushu (Japão).
A interação social é importante em todas as
fases da vida, mas em indivíduos mais velhos pode ser imprescindível para
manter o bem-estar e a qualidade de vida.
Embora seja ainda difícil associar
a relação do isolamento com a atrofia cerebral, o sentimento de solidão pode levar a efeitos
danosos no cérebro, como a perda de conexões cerebrais importantes e o aumento
das microlesões na massa branca cerebral (composta dos eixos longos dos
neurônios e responsáveis pela conexão elétrica entre eles).
Para chegar a essa conclusão, os
cientistas analisaram os exames de ressonância magnética neurológicos de
aproximadamente 10 mil idosos incluídos na pesquisa JPSC-AD (Colaborações
Japonesas para Estudos Prospectivos em Envelhecimento e Demência, na sigla em
inglês), um estudo populacional nacional que busca avaliar os fatores de risco
para a doença neurodegenerativa avançada.
Depois, foram selecionados
aqueles sem diagnóstico prévio de demência e estes foram perguntados sobre a
frequência de interação social —Quantas vezes você tem contato com amigos e
familiares que não moram na mesma casa que você (por exemplo, encontro pessoal
ou telefone)?—, com uma opção de resposta múltipla escolha —todos os dias,
várias vezes na semana, várias vezes no mês e raramente.
Aproximadamente 6 em cada 10
(57%) eram mulheres, e a idade média era 73 anos.
Cruzando as respostas dos
pacientes com os exames de imagem e ajustando para outras variáveis, como
escolaridade, presença de comorbidades e outras, eles viram que a proporção
entre o volume cerebral e a caixa intracraniana diminuía quanto menor a frequência de interação social.
Isso significa, na prática, que ocorre a perda de massa cerebral (conexões) em
pessoas que enfrentam o isolamento com mais frequência do que naquelas que
interagem mais socialmente.
Além disso, houve uma associação
positiva entre a presença de lesões na massa branca cerebral e a menor
frequência de interação social.
Como sintomas de depressão
também podem afetar o cérebro, os cientistas analisaram também se estes eram
agravados conforme a quantidade de interações e se isso afetava também o volume
cerebral.
Em geral, de 15% a 29% das associações entre o menor volume cerebral
e isolamento tinham como causa principal os sintomas depressivos.
A pesquisa foi a primeira a
utilizar uma grande base de dados nacional e apontar associação entre o
isolamento social e a perda de volume cerebral.
De acordo com os
autores, houve também redução em algumas áreas cerebrais importantes ligadas
aos sentimentos, como as amígdalas (responsável por respostas emocionais
relativas ao comportamento social de humanos e outros mamíferos) e o hipocampo
(associado com emoções, motivação, atividade hormonal, atividade autonômica e
formação de memória).
O lobo temporal e o hipocampo,
de acordo com estudos, são algumas das primeiras áreas afetadas na doença de Alzheimer.
A redução de conexão e
massa nessas áreas pode, assim, levar a danos associados à perda cognitiva e
progressão de demência.
O estudo tem algumas limitações,
como o fato de que os indivíduos que reportaram o menor contato social tinham
já uma maior incidência de comorbidades, como diabetes, hipertensão e hábitos de vida pouco saudáveis, que são
também fatores de risco para demência.
Foi preciso, assim, ajustar
essas diferenças para as comorbidades, isolando os efeitos verificados de
outros fatores na perda cognitiva.
A análise final mostra uma associação entre
a perda de volume cerebral e a baixa frequência social, indicando, ainda,
que recuperar o contato com os familiares pode
reverter esse efeito e atenuar os sintomas depressivos associados nos idosos.
ANA BOTTALLO - bióloga,
possui mestrado em zoologia e doutorado em paleontologia pela Universidade de
São Paulo e Museu de História Natural de Paris (França)