Por um mundo menos turbulento
Como
a computação quântica poderá resolver alguns de nossos problemas mais
complexos.
Uma frase atribuída a Bill Gates — talvez com a mesma
credibilidade com que falas são atribuídas a Clarice Lispector — diz que o
computador nasceu para resolver problemas que não existiam antes de sua
criação.
Acontece que, do início da informática até hoje, a área evoluiu tanto
que o jogo virou: estamos à espera do desenvolvimento da computação quântica
para resolver questões que, por ora, são insolucionáveis.
Um dos pesquisadores que trabalham na fronteira do conhecimento
desse campo é, na realidade, um engenheiro.
Nascido em Duque de Caxias, na
baixada fluminense, Fábio Pereira dos Santos ama computação desde a
pré-adolescência, quando, na companhia do pai, montava e desmontava o primeiro
computador da casa.
Mesmo com aptidão para física e matemática — graduações
que, por afinidade, gostaria de ter feito —, ele acabou optando pela engenharia
química, da faculdade ao doutorado.
"Na época, a Petrobras absorvia boa
parte de profissionais da área formados pela UFRJ, então acabei escolhendo esse
curso", diz.
Ao longo de sua carreira, no entanto, suas paixões seguiram
rodando em segundo plano.
A computação — e, mais especificamente, a construção
de algoritmos — se manteve como hobby, mas também deu as caras em um estágio
durante a graduação e no doutorado.
No mestrado, ele pôde dar certa atenção à
matemática, mas dedicou-se plenamente a ela só no pós-doutorado, em 2014.
No
Instituto de Matemática Pura e Aplicada, um dos mais renomados centros de
pesquisa nessa área no mundo, deparou com um programa relacionado à indústria
cujo público-alvo eram engenheiros com especial aptidão para a disciplina.
"Fiquei encantado", diz o pesquisador. "Enquanto engenheiros se
preocupam com o resultado, matemáticos focam no caminho. E eu transitava nos
dois campos."
O resultado ao qual Santos quer chegar é a resolução de
problemas complexos, especificamente a turbulência.
É comum associá-la àquele
momento de desconforto no avião, mas ela não se resume a isso: é um fenômeno relacionado
a qualquer fluido.
Sua complexidade está no fato de que ela se manifesta em
múltiplas escalas, desde contextos menores (o vapor do cafezinho) até situações
mais robustas (tsunamis e furacões). Fazer o cálculo de todas elas é o que
pretende o pesquisador.
Os computadores que temos hoje não são capazes de realizar esses
cálculos, uma vez que funcionam na lógica binária, com informações registradas
em 0 ou em 1.
Análises mais complexas só podem ser feitas por computadores
quânticos, que se baseiam na leitura de bits quânticos (ou qubits) — estes
podem ser 0, 1, ou ainda uma sobreposição de ambos.
Esta é uma diferença
essencial, que faz com que computadores quânticos resolvam, em minutos,
problemas que exigiriam literalmente décadas de "trabalho" dos computadores
clássicos.
Mas há um problema: computadores quânticos capazes de resolver as
questões estudadas por Santos ainda não existem de fato.
Hoje, o cientista se dedica a repensar algoritmos para que eles
rodem em um computador quântico futuro.
Na prática, se o projeto funcionar será
possível prever comportamentos de turbulência e, assim, ter aplicações na
engenharia, como promover a otimização de um avião, fazendo com que o atrito
com o ar diminua, e também reduzindo o gasto de combustível — o que ainda teria
impacto ambiental.
Ou mesmo projetar um stent mais resistente, fazendo-o durar
mais e reduzindo a frequência de cirurgias para troca do dispositivo.
Se muito da computação quântica ainda é hipótese, o sucesso dos
esforços de Santos também depende da performance de empresas como IBM e Google,
que pretendem lançar computadores quânticos daqui a pelo menos cinco anos.
Enquanto isso, ele reflete sobre outra questão cuja solução também é complexa:
o racismo.
Preto, o cientista comemora iniciativas como as cotas raciais,
que fazem com que suas turmas de alunos tenham alguma representatividade negra.
Em sua vida pessoal, porém, percebe que o preconceito persiste no inconsciente
coletivo brasileiro.
"Desde que virei classe média, passei a frequentar
lugares em que acabo sendo um ruído", diz. "É comum me tomarem por
músico, jogador de futebol ou atleta, mas nunca por um cientista."
Ele
aposta na recente mudança de governo, e destaca que a população negra deve
fazer parte de um novo projeto de país.
Tomara que, neste quesito, a evolução
da sociedade seja veloz como um computador quântico.
MURILO BOMFIM - jornalista.