Adquirir controle voluntário
dos nossos esfíncteres é um dos passaportes mais importantes e precoces para a
vida em sociedade.
A continência, ou capacidade de
impedir o esvaziamento automático da bexiga e do intestino, é em parte cortesia
da ínsula, uma parte do córtex cerebral que ainda não recebe o reconhecimento
público merecido por seu desempenho como base do legítimo sexto sentido: a
interocepção. Este é o conjunto de sensações internas do corpo, como o estômago
cheio, vazio ou em espasmos; frio ou calor; falta de ar e angústia ou, ao
contrário, descontração e prazer.
Da mesma forma, a ínsula
monitora e representa o estado dos reservatórios do corpo, dando a sensação da
bexiga ou do intestino reto perigosamente cheios. Aprender a reconhecer a
sensação correspondente a esses estados – o que costuma se tornar possível lá
pelos dois anos de idade - é a condição necessária para sairmos das fraldas e
aspirarmos acesso ao mundo adulto.
A continência, no entanto, não
é completamente dependente da capacidade de reconhecer a iminência da
evacuação. Pais de bebês deambulantes provavelmente já notaram que enquanto a
criança estiver saracoteando, não há risco de xixi ou cocô escorrerem pelas
pernas. O sinal de perigo é a cessação súbita da agitação infantil: de alguma
forma, ficar zanzando para lá e para cá impede a evacuação.
Curiosamente, o mesmo acontece
na vida adulta. O que garante que andar e evacuar sejam atividades mutuamente
excludentes para a maioria dos humanos saudáveis?
De acordo com um estudo recente
de pesquisadores da Universidade do Sul da Califórnia, a resposta são as
chamadas "sinergias musculares": o controle de músculos distantes do
corpo pelas mesmas regiões do cérebro.
A equipe mostrou que a região
do córtex cerebral que controla a flexão do dedão do pé também causa a
contração do esfíncter anal (e supostamente de outros músculos do assoalho
pélvico, que impedem a micção). O contrário não é verdade: contrair o esfíncter
anal não faz mover o dedão do pé. Mas dobrar o dedão, o que acontece repetidamente
quando andamos, ajuda a conter a evacuação sem que seja preciso pensar a
respeito.
Tal sinergia muscular explica o
que nós adultos já sabíamos, mas não entendíamos o porquê: quando se está
apertado, ficar quieto ou, pior, sentado, é uma provação. Mas sacodir as pernas
e tamborilar com os dedões dos pés é a melhor coisa - até conseguir se chegar a
um banheiro...
Suzana Herculano-Houzel - neurocientista, professora da
UFRJ, autora do livro "Pílulas de Neurociência para uma Vida Melhor"
(ed. Sextante)
Fonte: www.suzanaherculanohouzel.com