No
texto anterior (ver “Mais perdido que leitor de jornal”, neste LaM
semana passada) foi iniciada uma análise da maneira como as pessoas captam uma
notícia e como uma confusão entre os conceitos de dado e informação acaba
contribuindo para aumentar a desorientação dos leitores, provocada pela
avalancha informativa.
É um tema complexo, mas
importante porque sua compreensão ajudará a reduzir os efeitos de outro
problema, a “guerra da informação”, na qual já estamos metidos – basta ver a
polarização da opinião pública depois das eleições presidenciais e agora com o
escândalo da Petrobras.
Jornais publicam informações,
mas nós, leitores, devemos recebê-las como dados, ou seja, o que importa para
nós é avaliar o dado antes de emitir uma opinião. Uma notícia é um tipo
especíifico de dado, caracterizado pelo ineditismo para quem a recebe. Uma
notícia deve ser verificada, contextualizada, atribuir significados etc.
Uma informação você aceita ou
não, e pronto. Da mesma forma que você não é obrigado a gostar de todos os
tipos de músicas, você não é obrigado a aceitar todo tipo de informação
publicada pela imprensa porque ela é um dado trabalhado por alguém, portanto
não é um espelho fiel de realidade, por mais experiente e capacitado que seja o
jornalista que a produziu.
Uma informação jornalística é
no máximo é uma tentativa de descrição, de representação, que pode ser boa ou
ruim, que pode agradar ou desagradar, assim como uma música pode agradar ou
desagradar e nem por isso você hostiliza o músico. Quem faz a informação somos
nós, e não o jornal. O jornal produz a informação dele que nós captamos como
notícia (dado inédito), assim como reagimos diante da previsão do tempo.
O meteorologista não pode ser
criticado porque anunciou chuva para o fim de semana. Para alguns a previsão
incomoda porque esperavam ir à praia, mas para outros o tempo chuvoso pode ser
uma dádiva dos céus, como para os moradores das regiões sob o efeito de secas
prolongadas. O significado atribuído à previsão de chuva depende do leitor e
não do meteorologista, e cada leitor desenvolve o seu próprio significado.
Outra coisa importante:
muitos acham que para não se irritar com notícias que não gostam, o ideal seria
ler só os jornais (ou sites, ou blogs) com os quais simpatiza ou compartilha
opiniões. Tudo bem, esta é uma atitude muito comum, quase uma regra, mas um dos
mais renomados pesquisadores da opinião pública, o norte-americano Cass
Sunstein, adverte: quanto mais uniforme for a opinião de um grupo de leitores,
maior a tendência à xenofobia, sectarismos e discriminações.
Sunstein
escreveu quatro livros a respeito do tema sobre o qual realiza pesquisas de campo
desde 1990. O mais conhecido é Going
to Extremes, publicado em 2009. Assim, quando só lemos um mesmo
jornal durante muito tempo, acabamos conhecendo apenas a versão deste jornal
sobre o que acontece ao nosso redor e no resto do mundo. Como todos sabemos, um
jornal não consegue dar conta da complexidade do mundo em que vivemos – ainda
mais agora, na era digital, quando milhões de pessoas passaram a publicar
informações cada uma delas respondendo a um contexto específico e a uma forma
personalizada de ver um fato, número ou evento.
Todo o material sobre a
operação Lava Jato que está sendo publicado pelos jornais ou divulgado pela
televisão deve ser visto como uma massa de dados que o leitor ou telespectador
deve analisar, checar e contextualizar antes de tomar uma posição e difundi-la
para outras pessoas. Assumir o noticiário como a essência da verdade é ignorar
a realidade dos fatos, porque cada número, cada evento, declaração ou fato
registrado assume significado somente quando o leitor ou telespectador o situa
em seu contexto pessoal.
É claro que o leitor comum
não tem condições de conhecer todas as circunstâncias de um depoimento, se foi
espontâneo, se foi obtido sob tortura ou se foi resultado de uma transação
(delação premiada, por exemplo). Uma mesma frase assume significados diferentes
conforme o contexto em que foi pronunciada. O mesmo acontece com números,
denúncias, suposições e ilações produzidas por repórteres, policiais,
políticos, economistas e formadores de opinião. Todos têm sua agenda pessoal,
interesses que podem ou não ser os mesmos do leitor, ouvinte ou telespectador.
A tendência quase espontânea
das pessoas é assumir posições, tipo a favor ou contra. O problema é que isso
leva a uma simplificação da realidade, o que é um sinônimo de irrealidade. O
sectarismo é uma simplificação da realidade política, que se não for compensada
pela diversificação de percepções acaba levando a conflitos violentos, como
golpes de Estado ou rebeliões.
O professor Cass Sunstein,
que não é nenhum esquerdista (é assessor de Barack Obama), afirma que quando
pessoas da mesma opinião só conversam entre si, a tendência identificada em
dezenas de grupos focais é de que se tornem cada vez mais radicais nas suas
opiniões. Como este processo ocorre tanto entre os que são contra como entre os
que são a favor da presidente Dilma Rousseff, por exemplo, não é difícil prever
que não vai demorar muito para que o sectarismo ganhe intensidade e, se não for
identificado a tempo, poderá gerar situações irreversíveis.
Mais
do que em qualquer outra conjuntura política pós-redemocratização do Brasil, a
leitura crítica e analítica dos dados publicados na forma de informação pela
imprensa torna-se o antídoto da “guerra da informação”. O Observatório da Imprensa pratica
e promove desde a sua fundação, há 18 anos, a leitura crítica da mídia
jornalística.
Carlos
Castilho – jornalista, professor, autor.
Fonte: site Observatório da Imprensa