Pacientes e médicos são vítimas quando saúde
vira negócio, diz americana
Para a
médica de família Debra Blaine, modelos atuais não deveriam ser aplicados à
saúde.
Debra Blaine revela
os bastidores da indústria da saúde e os dilemas de uma época em que vida e
morte são vistas como fonte de lucro no livro “Code Blue: The Other End of
Stethoscope” (código azul: o outro lado do estetoscópio).
No
thriller (sem edição em português), uma médica é procurada por um antigo
namorado, que tenta alertá-la sobre um grupo de hackers que está ganhando
fortunas com a morte de pacientes.
Ela
ignora as tentativas de reaproximação do antigo amor —sem saber que ele pode
ser a vítima na lista da organização criminosa.
“Os
pacientes precisam saber o que está acontecendo, mas nem sempre as pessoas
querem ouvir. Passar essas informações no formato de thriller pode ser uma
forma de engajar o público”, diz.
Para
ela, os modelos de negócio atuais não deveriam ser aplicados à saúde. “É um
modelo que prioriza o lucro com parâmetros como quantidade e satisfação do
consumidor, baseado em conveniência, aparência e rapidez. Essas coisas não são
as considerações prioritárias em um tratamento médico.”
Princípios
éticos como buscar o bem para qualquer pessoa e justiça para todos deveriam ser
as considerações filosóficas de base para a prática da medicina, segundo a
reumatologista Helena Carneiro Leão, que é presidente da Associação médica de
Pernambuco e especialista em bioética pela Universidade do Porto.
Quando a
doença vira mercadoria e a saúde, moeda de troca, a corda aperta também para os
médicos.
“Eles
estão cercados por ilhas de negócios e, para permanecer no mercado de trabalho,
estão se tornando pessoas jurídicas, perdendo sua identidade”, diz Leão.
Segundo
Blaine, atualmente nos Estados Unidos os médicos são pressionados a tratar o paciente como consumidor, e agradar o
freguês tornou-se mais importante do que curar ou tratar.
Essa
relação criou distorções. O “cliente” passa a associar melhor tratamento com a
qualidade do café do laboratório ou o serviço de quarto do hospital, afirma a
médica.
Criam-se
novas demandas, e os pacientes esperam receber as melhores mercadorias, que
acreditam ser as tecnologias e remédios mais novos e caros —mesmo que não sejam
o tratamento mais indicado.
“Uma
parte da população precisa realmente de tratamentos de ponta e não consegue
obter, enquanto outra parte está acostumada a ter tudo o que quer
imediatamente”, diz.
Blaine não pretende culpabilizar pacientes e médicos pela crise vivida tanto em
seu país como no Brasil.
Eles
são, para ela, vítimas de um sistema de publicidade massiva, lobbies e
interesses econômicos.
Educar
os pacientes é, para Blaine, a forma de mudar o jogo. Isso vai desde mostrar às
pessoas os desconfortos envolvidos nos tratamentos até o que está por trás dos
lançamentos de novos produtos médicos.
Não
espera obter isso com ajuda da grandes empresas da área. Iniciativas da
indústria para “empoderar” pacientes entendidos como consumidores podem ser
apenas mais uma estratégia para vender novos produtos.
Profissionais
de saúde com boa formação e melhores condições de trabalho seriam, na visão de
Blaine, a melhor forma de informar a população sobre os limites éticos de quem
lucra com a saúde.
Mas as
coisas tampouco estão fáceis para os médicos. “Hoje, nos Estados Unidos, a taxa
de suicídio per capita de médicos é a maior do país.
Algo em torno de 34 para
cada 100.000, equivalente ao suicídio de um médico por dia”, afirma
Blaine.
Como
Carneiro Leão, a médica norte-americana diz que a mudança desse cenário está
ligada a princípios éticos que são, ou deveriam ser, básicos.
Precisamos mudar nossos valores. A ânsia por acumular riqueza faz mal não só à
saúde, mas à vida de todo o planeta, como mostra crise climática que estamos vivendo.”