Dinheiro anda comprando mais felicidade ou infelicidade?
Esses dias uma moça me perguntou se era possível ser feliz sendo pobre. Estudos
de Harvard mostram que se faltar dinheiro para o básico – saúde, comida –
provavelmente o indivíduo não consegue ser feliz. Algum para o supérfluo também
é importante. Agora, de um ponto para cima, ele pode atrapalhar bastante. O
consumismo é muito mais fonte de infelicidade do que de felicidade. O prazer
trazido é efêmero, uma bolha de sabão – e em seguida vem outro desejo. Ele gera vaidade, inveja, uma série de
emoções que estão longe de qualquer tipo de felicidade. E tudo vira comparação.
Outro estudo diz que um indivíduo que ganha US$ 40 mil numa comunidade em que a
média é de US$ 30 mil é mais feliz do que se ganhar US$ 100 mil e a média for
de US$ 120 mil.
A elite brasileira é consumista demais?
Comecei a trabalhar em 1967, vi a chegada da pílula [anticoncepcional] e a
emancipação sexual dos anos 60. Na época, achava-se que essa liberdade iria
‘adoçar’ as pessoas. ‘Faça amor, não faça guerra.’ Mas sexo e amor são coisas
diferentes. É triste ver que os ideólogos daquela revolução estavam totalmente
errados, porque a emancipação sexual aumentou a rivalidade entre os homens e
entre as mulheres, foi criado um clima de competição, atiçou tudo que tinha de
ruim no ser humano. Foi um agravador terrível do consumismo. Em países de
Terceiro Mundo – e, intelectualmente, aqui é quase Quarto Mundo –, a elite só
piorou nesse tempo. É uma elite medíocre, ignorante, esnobe. Na Europa e nos
EUA, o exibicionismo da riqueza é muito menor. Na Europa, as pessoas consomem
qualidade, não quantidade. Elas têm uma bolsa cara, mas não mil bolsas, para
fazer disputa. Aqui há um comportamento subdesenvolvido e medíocre. E
totalmente competitivo. As festas de casamento e de 15 anos são patéticas. A
próxima festa tem de ser maior. Isso é sem fim. É sofrimento, é infelicidade. A
quantidade e o volume com que as pessoas correm atrás dessas coisas é
desespero.
Então o sexo é culpado pelo consumismo?
Desde o início, o erótico está acoplado ao consumismo. Nos anos 20, foi preciso
introduzir novos produtos que não tinham a ver com necessidades, como o xampu.
A ideia que tiveram foi acoplar um desejo natural a um desejo que se queria
criar. Então botavam uma mulher gostosa para vender xampu. O consumismo sempre
esteve relacionado ao erótico, não ao romântico. O romântico é o
anticonsumismo. As boas relações amorosas levam as pessoas a uma tendência
brutal ao menor consumismo. A verdadeira revolução, se vier, vai estar mais
ligada ao amor do que ao sexo.
Quais são outras fontes de angústia dessa elite que você atende?
Só para explicar: sempre fui bem [na carreira], faz pelo menos 30 anos que
atendo algumas das pessoas mais bem-postas do país. Outro trabalho que sempre
fiz foi por meio da mídia, em jornais, revistas e, há seis anos e meio, na CBN.
É outra forma de ajudar as pessoas. Então tem dois mundos que eu atendo, o dos
ricos e o do povo. E as diferenças são pequenas. São conflitos sentimentais,
mais do que sexuais. Problema de família, briga de irmãos. Empresários têm
muitos problemas de sucessão. O pai tem dificuldade de soltar a rédea e o filho
tem a frustração de estar com 40 anos e não ter assumido os negócios. Outras
vezes são problemas de ordem financeira, mesmo. O cara está indo mal, fica
angustiado, tem os problemas familiares que derivam disso. Tem as tensões
societárias... Empresa é complicado, quando vai bem tem problema, quando vai
mal tem problema.
Por que trabalhar, no mundo moderno, é quase sempre tão estressante?
Estresse significa uma reação física para enfrentar situações de ameaça,
portanto, quando o ser humano vivia na selva também tinha estresse. O estresse
vem da ameaça, então numa empresa em que você é cobrado o tempo todo, vive com
medo de ser demitido, você cria um clima muito mais grave de ameaça que o
necessário. Estresse é ameaça. Sobrecarga cansa, mas não estressa.
Você às vezes se sente estressado?
Cansado. É diferente. Mas às vezes fico um pouco acelerado no pensamento, o que
eu não gosto, porque empobrece a reflexão. Tenho a sensação de que o tempo
ficou curto, de estar sempre devendo alguma coisa. Você se sente sempre em
falta com um livro que não leu, um filme que não viu. Quando eu era moço, tinha
cinco ou seis filmes importantes por ano para ver. Hoje, tem cinco filmes por
mês. E bons!
Qual é uma boa válvula de escape desse mundo acelerado?
Um pouco mais de folga de horários, mais tempo para algum tipo de relaxamento.
As prescrições passam por exercício físico, ioga e meditação – porque esvaziar
a cabeça é certamente um grande redutor de ansiedade. Passam também pelo uso de
medicação. Mas tudo isso são atenuadores. Se o trabalho fosse um pouco menos
competitivo, seria possível abrir mão desses remédios.
Como um bom líder pode ajudar a reduzir as tensões no trabalho?
O bom líder é respeitado naturalmente, não por meio do medo. As pessoas
reconhecem que ele está apto para o cargo e o exerce da forma mais democrática
possível. Ou seja, antes de tomar uma decisão, consulta quem trabalha com ele,
o que não significa terceirizar a decisão. O voto final é do líder, mas não sem
ouvir todo mundo. A governança não pode se dar por atos irracionais, pelo humor
do patrão. Deve se dar por normas que todo mundo conhece. Uma das maiores
causas de estresse é ter um patrão cujo humor vai influir na forma como ele
gere a empresa. Por isso a governança corporativa é importante, porque é um
conjunto de normas que vai valer todo dia.
Você costuma ouvir: “meu chefe não me escuta”?
Todo mundo tem esse defeito [de não escutar]. O pai com o filho, o chefe com o
subordinado... No caso do chefe, é mais comum porque chefe acha que sabe mais
por definição, o que é uma grande bobagem. Um filósofo disse: humildade é a capacidade de aprender com quem sabe menos do
que você. Ouvir alguém de verdade é estar disposto a abrir mão da sua ideia em
favor da outra, se a outra for melhor que a sua. Boa ideia não tem dono. Toda
boa ideia que eu ouço vira minha – e eu jogo fora minha velha ideia.
"Uma
grande causa de estresse é ter um patrão cujo humor vai influir na gestão"
Que mudanças devemos ver daqui para a frente, em termos de
comportamento?
As grandes transformações estão ligadas à mudança no papel da mulher. Na minha
turma de faculdade, havia 78 homens e duas mulheres. Hoje, as faculdades têm em
média 60% de mulheres. É porque os homens estão mais folgados e as mulheres,
mais guerreiras. Mas isso vai dar numa série de desequilíbrios. Não sei se as
mulheres vão gostar de sustentar os homens, nem se os homens vão gostar de ser
sustentados. No ambiente de trabalho não tem problema nenhum, ao contrário,
muitos empresários acham que as mulheres trabalham melhor. Mas em casa vai dar
problema. Como faz para ter filho? Quem vai cuidar? Como vai terminar isso,
ninguém sabe. A verificar. Mas não pense que é uma variável desprezível. A
independência econômica da mulher desequilibra pra caramba o mundo.
Além do consultório, o senhor também foi bem-sucedido para
vender livros?
Não tenho do que reclamar. Desde 1975, publiquei 32 livros e vendi mais de 1
milhão de cópias.
Qual o melhor?
Não sei. Minha mulher diz que é O Mal, o Bem e mais Além. É difícil falar.
Gosto sempre dos mais recentes, mas no fundo são a reescritura daquilo que fiz
nos anos 70 e 80.
E quando as pessoas muito ricas são felizes, o que costuma levar
a isso?
Os executivos que se sentem realizados são aqueles que gostam do que fazem. Às
vezes, ficam até viciados. Mas a maior felicidade das pessoas ainda é quando
conseguem estabelecer vínculos amorosos de qualidade. Tanto faz ser executivo
ou não. É o que tem de mais importante. Gostar do que se faz e ter uma boa
parceria sentimental talvez sejam as duas principais fontes de felicidade nesse
nosso mundo.
Fonte: site controversia