É
inaceitável jogar com quem avisa que vai melar o jogo.
Algumas celebridades vieram a público, para espanto de
seus fãs, manifestar suaadesão ao movimento #elenão,
na esteira do grupo deFacebook Mulheres Unidas Contra Bolsonaro.
O grupo cresceu exponencialmente em questão de dias, fato que culminou em suainvasão por hackers.
Alguns fãs fizeram uma dupla
crítica: tanto por seus ídolos serem contrários ao candidato quanto por exporem
publicamente essa posição.
Sasha Meneghel foi duramente
criticada, e chegou a ser ofendida, nas redes sociais após
publicar na segunda (17/09) uma
série de posts se posicionando contra Jair Bolsonaro (PSL)
Figuras midiáticas que não costumam declarar seu voto
não tiveram pudores em se manifestar, devido a um traço peculiar desse gesto:
não se trata da declaração da intenção de voto, mas da declaração contrária a
um tipo de discurso queBolsonaro (PSL) representa.
Uma das questões que uniu eleitores deCiro (PDT), Marina (Rede),
Haddad (PT),
Amoêdo (Novo) e demais candidatos sob a mesma hashtag é que Bolsonaro e seu
vice usam o pleito com o intuito de melar o jogo do qual dizem querer fazer
parte. Ao se declararem a favor deregime militar, da tortura e afirmarem o risco de golpe nas urnas,
demonstram seu desprezo pela democracia. A democracia é tão frágil e
deficitária quanto podemos ver, mas ainda é, disparado, o melhor regime que
temos.
Ela permite que escrevamos estas linhas ao invés de
receitas de bolo. Permite até que leitores contrários a este texto caiam
matando no final.
Quem vota noBolsonaro não sabe em quem está votando? Difícil crer, pois as frases misóginas,
racistas, homofóbicas, elitistas, autoritárias e pró-tortura estão ao alcance
de qualquer brasileiro (e estrangeiro) que não tenha estado em coma ou fora do
planeta Terra nos últimos anos. A vista grossa que se faz ao que está explícito
surge da fantasia de que seu eleitor será “amigo do rei”. Acredita-se que o
candidato, mesmo declarando seu pendor à ditadura, defenderá seu amado e fiel
eleitor, deixando para “os outros” a dureza da lei.
Puxa-sacos de monarcas e ditadores (Hitler e Stálin,
para dar exemplos à direita e à esquerda) também compartilharam da fantasia de
estarem protegidos, até serem triturados. Claro, pois um rei nunca tem amigos.
Ele está sempre cercado por conspiradores.
Bolsonaro e Mourão
chamarão uma comissão denotáveis para escrever nossa nova Constituição. Seremos nós a sermos
chamados? É aqui que se constata algo recorrente. Mulheres e homens que
alardeiam serem donos do próprio nariz escolhem de bom grado o cabresto. Fingem
ignorar que só resta o papel de subserviência para quem quer contracenar com
alguém em posição superior, sabidamente autoritário e violento. A banalidade do
mal não vai sem o prazer pela submissão.
A polarização PTe anti-PT
é só mais uma desculpa esfarrapada para a escolha do sr. Bolsonaro, uma vez que
existem outras alternativas entre os candidatos que estão aí. Nenhuma é uma
maravilha, mas certamente a maioria está a anos-luz de um político que cumpriu 27 anosde mandato sem nenhuma realização digna de nota.
Pelo contrário, ações entre medíocres e francamente
deletérias para o eleitor caminham juntas com inúmeras acusações de
irregularidades envolvendo sua família e sua pessoa. O paladino anticorrupção
ou “caçador de marajás versão 2018” tem uma lista de acusações facilmente
encontráveis na internet.
É impossível vislumbrar, por tudo que o candidato
declarou até o momento, qualquer indício de que ele tenha condições para gerir
o país econômica e politicamente, outra justificativa que costuma ser usada na
escolha.
Quem pensa que Bolsonaro é uma opção, não pensa.
Vera Iaconelli - diretora do Instituto Gerar, autora de “O Mal-estar
na Maternidade”. É doutora em psicologia pela USP.
Fonte: coluna jornal FSP