Há pais e escolas que perdem o bom senso quando testemunham
brincadeira de médico ou de 'papai-mamãe'.
Alguns
comportamentos de crianças pequenas --de até seis anos, mais ou menos-- têm
preocupado muito seus pais e professores. É um tal de a professora e/ou
coordenadora da escola chamar os pais para conversar --reclamar, melhor
dizendo--, sugerir um tratamento ou encaminhar a um especialista que não tem
fim.
O
que a escola quer é pedir alguma providência dos pais para que o comportamento
não persista no espaço escolar, mas o que consegue mesmo é deixá-los em estado
de atenção e de tensão.
É
quase um vale-tudo nessa área: vale criança irrequieta, criança que faz birra,
criança imatura --céus, o que é isso?-- criança que briga, criança passiva,
criança que ainda não fala, que troca letras, que não para de falar, criança
que berra, que briga, que morde etc e tal.
Todos
esses comportamentos são típicos de crianças dessa idade e, na maioria dos
casos, apenas exigem atitudes educativas diversas, nada mais.
Mas,
em tempos de medicalização da vida e da educação, acreditamos que eles exigem
atenção profissional especializada e ficamos tentados a diagnosticar e a usar
com rigor a cartilha do que é e do que não é normal.
Hoje,
quero conversar a respeito de um tipo desses comportamentos ou brincadeiras das
crianças, que ocorrem tanto na escola quanto em casa, e que eleva a preocupação
dos pais a mil, com direito a luz vermelha piscante e sirene.
São
comportamentos ou brincadeiras que, de algum modo, remetem à sexualidade.
Há
pais e escolas que perdem o bom senso quando testemunham brincadeira de médico
ou de "papai-mamãe", por exemplo, ou flagram crianças abraçando e/ou
beijando, na boca, inclusive, outras crianças --esta situação fica pior quando
elas são do mesmo sexo-- e mostrando ou querendo ver os genitais dos colegas.
É
que, em tempos de "O Desaparecimento da Infância" --título de um
livro de Neil Postman--, olhamos para as crianças e as vemos a nossa imagem e
semelhança, ou seja, entendemos que o sentido do que elas fazem é o mesmo
sentido que o dos adultos, que elas ainda não são.
Não.
Crianças dessa idade brincam assim e agem desse modo porque estão descobrindo o
corpo e suas sensações --de prazer, inclusive--, porque são curiosas e já viram
adultos fazerem algo semelhante.
Precisamos
reconhecer: além de essa fase ocorrer naturalmente na vida das crianças, com
diferenças porque elas não são iguais, os mais novos vivem num tempo em que o
erotismo as rodeia intensamente.
Desse
modo, beijar na boca, inclusive colegas de mesmo sexo, simular o ato sexual,
que eles entendem à maneira deles, e tirar a roupa para os colegas ou pedir que
eles façam isso, em geral são comportamentos que eles já tiveram a oportunidade
de ver, mesmo de relance, e que os interessou.
Mas
não da mesma maneira que isso interessa aos adultos.
Todas
essas brincadeiras e comportamentos das crianças não devem alarmar os pais, não
precisam ser motivo para preocupações. Basta fazer a contenção necessária,
quando for o caso, sem repreensão, recriminação ou discurso moral.
E
quando a escola chama os pais para falar a esse respeito do filho, é bom
perguntar quais atitudes educativas lá se pratica a esse respeito. Se ela não
tiver um sólido projeto a respeito, aí sim, os pais têm motivo para se
preocupar.
Com
a escola, e não com o filho.
Rosely Sayão – psicóloga, consultora em educação, é
colunista do jornal Folha de São Paulo, autora entre outros do livro “família: modos de usar”.
Fonte: jornal FSP