A sustentabilidade do sistema nas mãos do STJ...


A existência da previdência complementar no Brasil remonta à primeira década do século passado. O primeiro plano de benefícios a operar no país, instituído pelo Banco do Brasil, já conta hoje com mais de 110 anos de história. Diversas outras entidades de previdência complementar brasileiras já são cinquentenárias e, as que não o são, devem, mais cedo ou mais tarde, atingir tal patamar. Isso porque a previdência complementar possui uma característica marcante e universal: a natureza de longo prazo dos planos de benefícios que administra.

Dada essa natureza dos planos das EFPC, a legislação que rege o segmento preocupou-se em garantir a sua sustentabilidade, permitindo que os regulamentos dos planos de benefícios fossem alterados. É o que expressa o art. 17 da Lei Complementar nº 109/2001, regulamentado pela Resolução MPS/CGPC nº 8/2004 e cujo procedimento está disciplinado pela Instrução Previc nº 16/2014.

No entanto, a alteração de um contrato – o regulamento do plano de benefícios – no decorrer de sua vigência, sem o concurso direto de vontade de todas as partes, pode ensejar questionamentos sobre a sua validade.

Foi neste contexto que, sob o tema “Definição sobre o regulamento aplicável ao participante de plano de previdência privada para fins de cálculo da renda mensal inicial do benefício complementar”, o Superior Tribunal de Justiça – STJ realizou semana passada (31/08) audiência pública, proposta pelo Ministro Paulo de Tarso Sanseverino nos autos do Recurso Especial nº 1.435.837, que envolve a Fundação Banrisul.

O tema chamou a atenção de diversas instituições, que se inscreveram para participar da audiência pública. O evento, que teve a presença de inúmeros ministros tanto do STJ quanto do Tribunal Superior do Trabalho – TST, contou com 26 oradores inscritos, dos quais 14 apoiaram que o regulamento aplicável deve ser aquele existente à época da elegibilidade ao benefício, nos termos do art. 17 da LC 109, e 12 sustentaram que o regulamento válido seria aquele sob o qual o participante aderiu ao plano, não cabendo alterações posteriores aplicáveis a este, a menos que sejam para lhe beneficiar, nos termos da Súmula 288 do TST.


Instituições e Oradores que defenderam que o regulamento aplicável é o vigente quando da elegibilidade ao benefício (base: art. 17 da LC 109)



Instituições e Oradores que defenderam que o regulamento aplicável é o vigente quando do ingresso do participante no plano de benefícios (base: Súmula 288 do TST)



Diversos foram os argumentos utilizados pelos oradores de parte a parte, proporcionando um debate de alto nível. Representando a OAB Prev/SP, filiamo-nos à corrente que defendeu a aplicação do regulamento do plano de benefícios vigente quando da elegibilidade ao benefício, nos termos do art. 17 da LC 109. Isso porque, não fosse tal possibilidade, face às diversas mudanças, especialmente demográficas, pelas quais o Brasil e o mundo têm passado, a manutenção de planos de benefícios na forma que eram desenhados no século passado poderia se tornar insustentável.

Esse engessamento do regulamento pelo longo prazo de sua duração, a despeito da dinamicidade do contexto em que está inserido, faria com que houvesse, por certo, desequilíbrio atuarial nos planos e, em razão desse desequilíbrio, não restaria aos participantes e assistidos outra opção, que não o pagamento de contribuições extraordinárias para arcar com esse déficit. Em consequência, poderíamos inferir que, a depender do tamanho dessas contribuições, muitos participantes e assistidos teriam sua continuidade no plano de benefícios dificultada e, até mesmo, inviabilizada.

Ainda, é importante lembrar que um plano de previdência complementar, com benefícios estruturados em Benefício Definido (BD), possui caráter mutualista, o que pode significar, ainda, que parcela da população do plano tenha que arcar com esses custos, sem sequer se beneficiar das medidas que alcançam, às vezes, uma pequena parcela de participantes e assistidos.

Hoje, além dessa opção de pagamento do déficit via contribuições extraordinárias, o que é, muitas vezes, a melhor opção vislumbrada pelo fundo de pensão, é possível que o Conselho Deliberativo da EFPC, composto, vale dizer, por representantes dos patrocinadores, participantes e assistidos, e mediante todo o rito procedimental pertinente, realize uma alteração regulamentar para mitigar o desequilíbrio do plano, respeitando-se, sempre, o direito adquirido e observando-se o direito acumulado.

Sob o ponto de vista atuarial, uma decisão do Superior Tribunal de Justiça que viesse a impossibilitar alterações regulamentares com aplicabilidade imediata a todos os participantes e assistidos, nos termos do art. 17 da LC 109, traria sérios prejuízos à solvência de diversos planos, que viriam seus passivos contingenciais se multiplicarem. O Brasil, que hoje possui um bom nível de solvência a padrões mundiais, poderia passar a uma situação de mediocridade e as contribuições extraordinárias aplicáveis a participantes, assistidos e patrocinadoras seriam parte do cotidiano de diversas EFPC.

Pensando no segmento de fundos de pensão, uma decisão neste sentido faria com que, possivelmente, houvesse uma aceleração em processos de retirada de patrocínio, em face do risco que a manutenção de um plano em uma EFPC representaria aos patrocinadores, além de criar, no segmento como um todo, uma sensação de insegurança. Mais do que isso, tal medida faria com que abandonássemos, de vez, a ideia de fomento, e passássemos a focar esforços em, apenas, manter o nosso sistema pelo maior período de tempo possível, uma vez que seu fenecimento, ao que nos parece, seria inevitável.

Dada a importância dos fundos de pensão para a economia mundial, e sua imprescindibilidade para o desenvolvimento econômico e social de nosso país, é imperioso que o tema seja avaliado com toda a cautela e tecnicidade pelo STJ, sob pena de se estar, no afã de proteger direitos individuais, prejudicando enormemente toda a coletividade que já se beneficia da previdência complementar, bem como a sociedade como um todo, que muito teria a perder com a redução dos ativos previdenciários dos fundos de pensão, que formam um indispensável pilar da nossa já combalida economia.

 

Antônio Fernando Gazzoni - atuário, administrador de empresas, especializado em Fundos de Pensão e Gestão de Investimentos Alternativos, pela The Wharton School – Filadélfia, PA – EUA, Especializado em Corporate Governance for Institutional Investors, pelo Graduate School of Business of Chicago, IL – EUA, certificado pelo Instituto de Certificação dos Profissionais de Seguridade Social – ICSS. É diretor presidente da GAMA Consultores Associados

João Marcelo Barros Leal M. Carvalho – Atuário com MBA em Finanças e graduando em Direito pelo Centro Universitário de Brasília – UniCeub. É Diretor de Operações e Previdência da GAMA Consultores Associados.

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