Brasil agradou na parte econômica,
mas desapontou nas outras áreas.
Terminou na última
sexta (24) o Fórum Econômico Mundial, em Davos, na Suíça. Estive lá e falei em três painéis relacionados a
tecnologia. O fórum é um bom termômetro das pautas globais e consegue mapear os
assuntos que estarão quentes ao longo do ano.
Uma
consideração geral é que o Brasil agradou na parte econômica, mas
desapontou em praticamente todas as outras áreas, incluindo sustentabilidade, ciência e tecnologia.
É como se o país tivesse se tornado monotemático, indo
na contramão do próprio lema do fórum este ano, que foi “stakeholder
capitalism” (capitalismo de partes interessadas) —princípio de que
empresas devem criar valor A ideia é um contraponto à máxima do economista Milton Friedman que
gostava de dizer nos anos 1970 que “the business of business is
business” (o negócio das empresas é o negócio). Em outras palavras, que nada
mais importava a uma empresa a não ser ganhar dinheiro da forma mais
eficaz possível, sem qualquer consideração externa.
Nesse
sentido, a participação do Brasil foi muito mais alinhada à ideia de
Friedman do que ao capitalismo de interesses propugnado pelo fórum. Em suma, nosso país soou velho.
Ficamos
de fora, por exemplo, das grandes discussões sobre inovação e tecnologia.
Países como China e Índia tiveram muito mais protagonismo em temas como inteligência
artificial e quarta revolução industrial, um dos eixos mais importantes deste
ano.
Dois
painéis em especial me chamaram a atenção. Um deles, tratando do conceito de
“supremacia quântica”.
Em
2019, o Google anunciou ter conseguido provar pela primeira vez a existência da computação quântica. Realizou um
cálculo que não pode ser feito por nenhum computador atual. Isso representaria
o momento em que essa nova tecnologia estaria definitivamente entre nós, ainda
que suas aplicações hoje não sejam
A
conquista do Google foi contestada pela IBM, que alegou que
há computadores atuais que poderiam ter feito o mesmo cálculo em um tempo
aceitável. O importante, porém, é que quem dominar a computação quântica
terá vantagem competitiva importante (daí o termo “supremacia”). Pensar sobre
isso é tarefa para qualquer país que queira ser um ator global.
O
outro painel que me chamou a atenção, do qual participei, teve o nome “quando
humanos se tornam ciborgues”.
O
objetivo foi discutir interfaces entre máquinas e seres humanos e suas
repercussões. Apesar do tema parecer futurista, a preocupação é atual. Um
dos pontos que levantei é que, na medida em que o cérebro humano se conectar a
máquinas, isso levará a uma coleta permanente de dados. Mais do que isso,
abrirá o caminho para entender o funcionamento do cérebro de forma mais
profunda.
Isso
traz riscos, inclusive de manipulação política, bem maiores do que hoje. Alguém
lembrou: “Temos um cérebro forjado no Paleolítico, temos instituições forjadas
na Idade Média e temos tecnologias futuristas”. O contraste entre esses três
ainda vai gerar muitas questões de difícil solução.
Ronaldo Lemos -
advogado, diretor do Instituto de Tecnologia e Sociedade do Rio de Janeiro.
Fonte:
coluna jornal FSP