Caso Gustavo Scarpa ilustra nossa falta de cultura
de poupança
Jogador
achou plausível que um ativo financeiro pudesse aumentar 5% ao mês.
O jogador de futebol Gustavo Scarpa, de 29 anos,
ex-meio campo do Palmeiras, saiu das páginas esportivas para o noticiário
policial após ter caído em um golpe financeiro.
Aconselhado por um ex-companheiro de time, o
atacante Willian Bigode, Scarpa investiu cerca de R$ 6 milhões em uma empresa
que prometia retorno de 5% ao mês.
Por que jogadores de futebol bem-sucedidos e
milionários, capazes de pagar por boa assessoria, acreditam numa promessa
mirabolante de investimento?
Essa história reflete a relação do brasileiro com
o seu próprio dinheiro: não temos cultura de poupança.
A falta de compreensão financeira do brasileiro
pode ser traduzida em dados. Mais de 70% dos consumidores não sabem quanto
pagam de juros no cartão de crédito, aponta o SPC Brasil.
Apenas 35% dos adultos brasileiros
conseguem responder questões simples sobre inflação, juros compostos e diversificação
de risco, relata pesquisa da Standard & Poor's.
O desconhecimento pode
levar a dívidas astronômicas, derretimento do patrimônio ou suscetibilidade a
fraudes.
Scarpa achou plausível que um ativo financeiro
pudesse aumentar em 5% ao mês.
Se fosse real, o jogador estaria tendo um
rendimento quatro vezes maior que a rentabilidade média do Warren Buffet —um
dos investidores mais bem-sucedidos do mundo. Infelizmente não é raro ouvir
histórias de golpes: alguém de confiança indica o negócio pela rentabilidade
extraordinária, alguns conseguem ganhar dinheiro e muitos perdem o que
investiram.
Acreditar no impossível não foi o único erro do
jogador.
"Não se colocam todos os ovos na mesma cesta", já dizia o
ditado. Investir bem é diversificar —não só entre opções mais seguras e mais
arriscadas, mas também entre setores da economia.
Assim, se uma empresa
quebrar, um ativo desvalorizar muito ou uma crise se abater sobre um setor, não
se perde tudo de uma vez.
Além da má
gestão dos recursos pessoais, temos outro problema no Brasil: a baixa taxa de
poupança.
Conforme mencionado por Samuel Pessôa, os dados do FMI mostram que a média das taxas de
poupança brasileiras de 2010 a 2019 foi três pontos percentuais menor que a da
Colômbia, que apresentou a segunda menor taxa de poupança entre as cinco
principais economias latino-americanas (Venezuela e Argentina foram
descartadas).
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A baixa poupança tem relação com um fenômeno
conhecido como desconto hiperbólico.
As
pessoas escolhem uma opção no presente que o seu eu futuro preferiria não ter
escolhido, mesmo tendo as mesmas informações disponíveis.
Estamos falando das
compras por impulso ou que visam apenas uma satisfação de curto prazo, mas que
em pouco tempo entram na lista de gastos que poderiam ter sido evitados com
algum autocontrole.
Elementos culturais e institucionais podem reforçar
esse viés de impaciência.
A alta inflação dos anos 1980 e 1990, por exemplo,
tornava imprescindível que as decisões de consumo fossem feitas imediatamente
para que o salário não perdesse valor.
Similarmente, políticas públicas que
desincentivam a poupança, como o confisco das reservas financeiras durante o
Plano Collor, certamente afetam a relação com o consumo.
Se não há segurança sobre a valorização do dinheiro
que se deixa de gastar hoje, a reação natural é comprar ao máximo no presente.
Por que guardar para amanhã se a instabilidade do cenário não me permite ter
confiança quanto às condições do amanhã?
Por que me poupar de uma satisfação
imediata se a minha escolha por priorizar uma satisfação futura pode ser
frustrada por fatores que fogem ao meu controle?
Além do impacto da baixa taxa de poupança nas
próprias famílias, que terão menos recursos na velhice, essa realidade também
causa impacto no crescimento econômico.
Philippe Aghion e outros autores apontam que, em
combinação com investimento estrangeiro, a poupança local pode servir como
garantia aos empresários nacionais para que participem de projetos de inovação
e tornar o investimento estrangeiro rentável.
Sua teoria sugere que a poupança
afeta o crescimento econômico, especialmente em países pobres e em
desenvolvimento, pois os recursos ajudam as empresas a se aproximarem da
fronteira tecnológica.
Logo, a necessidade de consumo imediato aliado à
falta de alfabetização financeira deixa milhões de brasileiros na situação em
que é difícil poupar.
Mesmo quando conseguem, podem acabar escolhendo mal os
próprios investimentos.
Sem melhorias institucionais que incentivem a
poupança e sem uma educação financeira integrada ao ensino de matemática, o
Brasil vai continuar na pobreza.
DEBORAH BIZARRIA - economista pela UFPE, estudou economia comportamental na Warwick
University (Reino Unido)