Para
proteger as democracias vai ser necessário seguir o poder dos robôs
O desfecho deste processo eleitoral está se aproximando. E
independentemente do resultado haverá ao menos uma grande ressaca: a
percepção de que a opinião dos eleitores foi formada em significativa
medida pela disseminação de informação falsa, abusiva e inflamatória.
Essa ressaca é uma tragédia anunciada. Desde 2014 a
população brasileira vem sendo alimentada com conteúdos inflamatórios de forma
incessante. Como mostrou a importante pesquisa do pesquisador Dan Arnaudo, de
Oxford, os robôs e perfis falsos usados pela primeira vez na campanha eleitoral
de 2014 jamais foram desligados. Eles continuaram na ativa. Mais do que isso,
continuaram crescendo de forma exponencial e incessante.
Do ponto de vista de mídia, esta sera a primeira
eleição no pais (e provavelmente no mundo) que terá sido decidida
pela aplicação massiva de poder computacional e propaganda automatizada.
Traduzindo: além do conteúdo inflamatório, o que faz diferença mesmo e
realmente importa é a capacidade de promover sua propagação.
Para ser eficaz e alcançar milhões de pessoas, como vem
acontecendo há anos no país, o discurso inflamatório depende de automação.
Há milhões de perfis falsos e robôs que respondem ao comando centralizado
de grupos de marqueteiros políticos. Esses robôs conseguem replicar mensagens
em velocidade e volume avassaladores.
Para isso acontecer precisam de software, hardware,
conexão e pessoas operando todo o aparato, ou seja, de poder computacional.
Quem pagou por todo esse poder computacional massivo? Como ele aparece nas
despesas de campanha? Se ele não foi pago diretamente pela campanha, foi pago
por quem? E se foi pago por alguém, pessoas ou entidades, isso ao deveria ser
declarado como doação eleitoral? Surge assim o caixa dois computacional.
Ele é mais difícil de ser rastreado do que o caixa dois tradicional, mas seu
efeito é tão ou mais nocivo, já que ataca o âmago da própria democracia.
Nenhuma mensagem política sozinha, por mais bem escrita
que seja, tem condições de fazer frente a uma mensagem amparada por um
aparato computacional. A disparidade de armas é muito grande. Sobre isso, a lei
eleitoral existe exatamente para garantir a isonomia entre os candidatos (o que
se chama em inglês de level the playing field). Por isso o horário eleitoral é
gratuito e distribuído entre os candidatos de acordo com a representatividade
do seu partido. Já o poder computacional é assimétrico. Um candidato pode ter
muito e outro não ter nada, e isso não é visível nem transparente, ainda que
seja determinante.
Ao ser empregado na eleição brasileira o poder
computacional desequilibrou completamente esse balanço de forças por debaixo
dos panos. Os recursos computacionais empregados foram tão amplos que
obliteraram imprensa, rádio e televisão somados. Desde a primeira guerra
mundial se sabe: voto se conquista pela mídia. E a mídia do presente é a
internet.
A questão é que fazer circular informações para milhões
de pessoas de forma sistemática custa muito dinheiro, seja na televisão seja na
internet. Quem pagou? Estamos completamente desinformados sobre a principal
engrenagem que movimentou as eleições de 2018.
Quando se combate a corrupção geralmente se utiliza o
mantra "Follow the money" (siga o dinheiro). Para proteger as
democracias vai ser necessário o "follow the computational power"
(siga o poder computacional).
Ronaldo Lemos - advogado, diretor do Instituto de Tecnologia e
Sociedade do Rio de Janeiro.
Fonte: coluna jornal FSP