Privacidade é o direito à reserva de informações de
nossa vida privada. Confidencialidade é a propriedade de informações que não
serão divulgadas a terceiros sem autorização.
Nem sempre nos preocupamos com isso, até porque o
conceito de cidadania no Brasil ainda é muito rarefeito. Não somos tratados
como cidadãos pelo Estado nem pelas companhias privadas.
Então, desacostumados a um tratamento respeitoso,
permitimos a intromissão de pessoas, empresas e instituições em nossas vidas
como se isto fosse algo comum, correto e mundialmente aceito.
Por isso, não se lê, ouve, digita nem fala muito
sobre governança na internet.
O Itamaraty defende um sistema multilateral,
democrático e transparente desta governança, com a participação de todos os
setores relevantes (governo, área privada, sociedade civil, comunidades
técnicas e acadêmicas, e organismos internacionais).
Esta governança iria em direção à inviolabilidade
dos dados dos cidadãos.
Teles, governo e entidades civis têm debatido a
criação de um órgão regulador nacional que fiscalize o tratamento e proteção
dos dados pessoais dos brasileiros. Alguns propõem uma agência reguladora,
outros um órgão similar ao Comitê Gestor da Internet.
Um órgão como o CGI (ou uma subseção deste comitê)
também me parece a melhor solução. As agências reguladoras ainda não disseram a
que vieram no Brasil. Queiram ou não, seus dirigentes sofrem intensa pressão
governamental, e isso prejudica sua atuação mais equilibrada.
É provável que um comitê gestor integrado por
representantes multissetoriais tivesse mais condições de propor normas para
ampliar nossa privacidade digital.
À medida que a tecnologia avança, multiplicam-se as
possibilidades de crimes cibernéticos, inclusive contra o cidadão comum, por
meio, por exemplo, de invasões em nossas informações pessoais disfarçadas de
ações comerciais.
Há inúmeros bancos de dados públicos e privados com
nossas informações cadastrais, bancárias, fiscais e pessoais. Mesmo aquelas
que, por exemplo, só foram liberadas para comprar medicamentos crônicos com
melhor preço. Ou para cumprir nossas responsabilidades com o fisco (Imposto de
Renda, ISS etc.).
Brevemente, os prontuários médicos serão todos
eletrônicos. Isso será muito positivo para o tratamento de nossa saúde,
evidentemente, mas, se os dados não forem muito bem protegidos, aumentará a
exposição de nossas vidas.
Será aberta, então, uma grande janela que poderá
levar a discriminação em processos como a seleção de profissionais no mercado
de trabalho. Doentes crônicos, por exemplo, correriam o risco de ser alijados
da disputa de determinadas vagas devido ao 'risco de saúde'.
O Ministério do Planejamento terá de apresentar,
até meados de novembro próximo, um plano de ação ao TCU (Tribunal de Contas da
União) com medidas para melhorar os serviços digitais. Dentre os aspectos que
devem ser contemplados está a mediação para conflitos de entendimento sobre
compartilhamento e confidencialidade de informações.
O Projeto de Lei 5276/2016, conforme o site da
Câmara dos Deputados, tramita para apreciação do Plenário. Temos de ficar
atentos.
Se nós, que somos estudantes, trabalhadores,
aposentados, consumidores, eleitores e contribuintes, não exigirmos nossos
direitos digitais, este quadro vai ficar ainda mais complexo, com redução das
liberdades individuais.
Para ser cidadãos respeitados em um mundo cada vez
mais digital, teremos de sair da zona de conforto e cobrar já privacidade e
confidencialidade de nossos dados pessoais, médicos, profissionais etc. Amanhã
pode ser tarde demais.
Maria Inês Dolci - advogada, é especialista em
direitos do consumidor.
Fonte: coluna jornal FSP