Brasil deve se preocupar em
fortalecer sua segurança cibernética
|
Na
semana passada, ocorreu um episódio revelador no país. Uma conta no Twitter
administrada pelo governo federal publicou "casualmente" na internet
uma planilha contendo a senha de praticamente todos os canais de comunicação
oficiais da Presidência da República na internet.
Uma
das senhas usadas era a expressão "planaltodotemer2016", que dava
acesso à página do Facebook do Planalto. Ao lado dela havia uma instrução
grafada em maiúsculas com letras vermelhas: "NÃO TROCAR A SENHA
NUNCA".
Conte
essa história a qualquer especialista em segurança e ela irá se contorcer.
Primeiro porque a segurança de uma senha é medida pelo conceito de
"entropia". Quanto mais aleatório for cada um de seus caracteres,
mais forte ela será.
Em
outras palavras, a regra geral é que, quanto mais "lembrável" for uma
senha, mais insegura ela será (um exemplo de senha minimamente segura seria
Zm1,*9/>"wk!; [Z>]>1S&/=2]F). Senhas de órgãos
governamentais devem ser administradas de forma profissionalizada.
Há
diversas estratégias para fazer isso, inclusive adotar "chaveiros
criptográficos" de acesso restrito, que trocam a senha automaticamente
todos os dias (ou mais de uma vez por dia). Exatamente ao contrário da
instrução grifada no documento publicado.
O
episódio acima é revelador porque demonstra que esse é um tema geopolítico
essencial à deriva no país: a cibersegurança. Não é um tema qualquer. Basta
acompanhar minimamente o debate político nos EUA para ver que ele está tomado
por questões dessa natureza.
Na
campanha eleitoral, Hillary Clinton teve sua credibilidade abalada justamente
por não adotar padrões mínimos de segurança para seus e-mails. Ela usava contas
pessoais, em vez de recorrer a contas governamentais, que são monitoradas e
protegidas contra espionagem.
Mais
recentemente, o debate nos EUA foi ocupado por alegações de que a Rússia teria
interferido, por meio da internet, no resultado das eleições norte-americanas.
Isso teria ocorrido tanto por meio da invasão de computadores do Partido Democrata
(com subsequente vazamento de dados) quanto através de outras formas
manipulação da opinião pública pela rede.
Em
síntese, nenhum país mais pode desprezar o tema da cibersegurança, como faz o
Brasil. Tratar dele é requisito para assegurar um mínimo de soberania no
território digital. Apesar de o país ter esforços importantes nesse campo
realizados pelas Forças Armadas, na administração pública esse é um tema
inexistente. É comum ver membros do alto escalão de todos os poderes usando
e-mails pessoais.
Precisamos
parar de passar vergonha nessa área. É essencial a criação de um marco mínimo
que trate de cibersegurança na administração pública. Está aí uma boa instrução
para ser escrita em vermelho com letras maiúsculas.
Ronaldo Lemos - advogado, diretor do
Instituto de Tecnologia e Sociedade do Rio de Janeiro (ITSrio.org). Mestre em
direito por Harvard. Pesquisador e representante do MIT Media Lab no Brasil.
Fonte:
coluna jornal FSP