Não dá mais para confiar em vídeos
Vídeos são para os
humanos a prova mais confiável de que algo aconteceu; isso agora cai por terra.
Na semana passada, o mundo assistiu perplexo aos
vídeos criados pela plataforma Sora, projeto mais recente da empresa de inteligência artificial OpenAI.
As imagens mostram uma mulher
caminhando em Tóquio, cães brincando na neve e uma casa em um rochedo em frente
ao mar.
Todas foram sintetizadas por IA a partir de um mero parágrafo de texto
com instruções. Todas são convincentes como se fossem a própria realidade (ao
menos para quem olha de forma desatenta).
Vídeos são para nós humanos a prova mais
confiável de que algo aconteceu. Nos últimos anos aprendemos que textos e
imagens são facilmente manipuláveis.
Mas e o vídeo? Para a maioria das pessoas
isso é o que mostra que algo de fato ocorreu. Tudo isso agora cai por terra.
Não dá mais para confiar em nenhum vídeo.
Imagine alguém usando a IA com a seguinte
instrução: "Crie um vídeo para burlar o reconhecimento facial de um banco.
Vire a cabeça para a direita e esquerda, olhe para cima, da forma como o banco
solicita para autenticação".
Vários bancos, inclusive no Brasil, usam
reconhecimento facial como mecanismo de segurança. Com as ferramentas de
inteligência artificial poderá ser fácil enganar todos. Ter certeza de quem
está do outro lado da tela vai se tornar mais caro e difícil.
O problema está longe de ser só esse. Com o
lançamento do Sora a OpenAI quer dar um recado: a empresa é o futuro da criação
audiovisual.
Hoje a indústria de games, filmes e séries detêm o monopólio da criação das
imagens mais atraentes e valiosas do planeta.
Isso é feito com produções caras
e difíceis de realizar, filmadas as partir da realidade ou arduamente
programadas.
A OpenAI quer mostrar que no futuro (talvez próximo) será capaz de
fazer o mesmo com imagens sintéticas, geradas por IA.
Mais do que isso, vai entregar esse fogo prometeico para
qualquer pessoa, que poderá conjurar a IA para criar de obras monumentais
inéditas a pornografia, fake news e interferências em campanhas eleitorais.
O curioso é que a empresa não revela mais como o
Sora (que significa "céu" em japonês) foi treinado, como receio das
questões de direito autoral. Isso teria sido feito com todo tipo de vídeo da
internet, filmes, séries e dados sintéticos gerados por videogames.
Quando
estive com Sam Altman no Brasil no semestre passado,
ele enfatizou a importância de dados sintéticos para o treinamento das IAs
atuais.
O Sora é o mais novo "slide" que Altman
mostra para o mundo dentro do seu plano de captar US$ 7 trilhões (R$ 34,79
trilhões). Se der certo, será o maior levantamento de capital da história.
O
objetivo seria chegar à "inteligência artificial geral", dominando o
mercado de chips.
A tese é de que, com a chegada da inteligência
artificial, muitos setores econômicos se tornam "legados", relíquias
do passado.
Isso inclui de Hollywood à Netflix, o mercado financeiro, boa parte das
áreas de saúde, engenharia, medicina, direito, contabilidade e gestão, sem
falar no setor militar e de equipamentos bélicos.
O que tornaria os US$ 7
trilhões baratos perto do prêmio buscado
Há também a tese de que isso tudo é truque, e
estamos sendo coletivamente ludibriados, dentre outras coisas, por vídeos de
mulheres andando em Tóquio e cachorros brincando na neve.
RONALDO
LEMOS -
advogado, diretor do Instituto de Tecnologia e
Sociedade do Rio de Janeiro.