Costuma-se usar a preocupação com o sofrimento da
criança para justificar a covardia frente à decisão dolorosa e dispendiosa pelo
divórcio.
Não é raro o adulto, que se acredita responsável pela
vida miserável que os pais tiveram, dizer equivocadamente “meus pais não se
separaram por minha causa” ou, ainda, “se separaram por minha causa”.
Trata-se de frases excruciantes e de um autoelogio mal
disfarçado, afinal, seríamos a razão última das motivações parentais. Nessas
simples frases, eliminamos magicamente a relação entre papai e mamãe para além
de nós mesmos.
Lembro do caso da jovem interessadíssima na vida amorosa
do pai, que não descansou até descobrir provas de que ele tinha uma amante.
Ultrajada, correu para contar para a mãe. O que ela não sabia era que a
“amante” era de ambos. Boa oportunidade para sair da cena edípica, ainda que
tardiamente.
Enquanto filhos, buscamos respostas sobre o desejo de
pais e mães, na esperança de saber quem somos, o que é o amor, a parentalidade,
a vida e a morte.
Não há pai ou mãe que possa responder isso, embora
possam contar algumas histórias de encontros e desencontros que culminaram na
vinda do filho. Tampouco os pais receberam essas respostas dos próprios pais.
Divórcios são penosos porque os laços que serão rompidos
estão para além da pessoa de quem nos separamos: perdemos amigos em comum,
parentes do lado de lá, patrimônio, hábitos.
São processos que criam estresse e considerável trabalho
psíquico para todos os familiares, em especial para as crianças.
No entanto, casamentos de fachada e infelizes que se
perpetuam enigmaticamente passam uma mensagem de fracasso e desesperança que os
filhos não têm como elaborar. Não é apenas o tamanho do sofrimento que os
oprime, mas a enigmática opção por mantê-lo.
Vale lembrar que falar mal de pai/mãe é falar mal da
própria criança e de si mesmo. Da criança, porque ela sempre será filho(a) do
desprezado(a) e, de si mesmo, porque foi você que teve filhos com um traste
—“double fault”.
Quando a criança percebe que não foi poupada da
virulência parental, o maledicente cai em desgraça também. Abster-se de incluir
os filhos nas intimidades do casal é dos maiores gestos de amor que os pais
podem oferecer.
Amem, odeiem, traiam, gozem, sofram, mas não ponham na
conta dos filhos. Eles têm suas próprias encrencas amorosas para resolver.
Vera
Iaconelli - diretora do Instituto Gerar,
autora de “O Mal-estar na Maternidade” e "Como Criar Filhos no Século
XXI". É doutora em psicologia pela USP.
Fonte:
coluna jornal FSP