A crise da Covid-19 suscitou um importante
debate sobre o uso de dados de celular no seu combate. Há pelo menos três modelos que vêm sendo
adotados nesse sentido:
a) uso
de dados de localização agregados e anonimizados;
b)
monitoramento individual da circulação de cada indivíduo; e
c)
monitoramento e exposição em mídias sociais de todas as pessoas infectadas.
O uso de
dados de localização agregados e anonimizados é o adotado pelo governo do estado de São Paulo e o que havia sido anunciado pelo governo federal em 27 de março,
mas acabou sendo cancelado recentemente.
A
aplicação desse modelo é a criação de um índice de distanciamento social, com o
objetivo de medir o percentual de pessoas de uma cidade, bairro ou região que
estão em casa ou sem se deslocar.
O produto é a geração de mapas de calor
(heatmaps) que mostram as áreas com mais movimentos (em vermelho, por exemplo)
e as áreas com menor movimento (em amarelo, por exemplo).
Nesse
modelo, os dados são anonimizados e agregados. Não há necessidade de
compartilhar o deslocamento individual, mas apenas o índice geral de
deslocamentos na região. O foco é na árvore, e não na floresta.
Pela lei
geral de proteção de dados aprovada no Brasil, dados anonimizados não são
considerados dados pessoais, já que não são capazes de identificar um
indivíduo. Sua utilização é permitida.
É claro
que a anonimização deve ser bem-feita. A lei exige um padrão mínimo para isso.
É considerado anonimizado o dado que "não pode ser identificado,
considerando a utilização de meios técnicos razoáveis e disponíveis na ocasião
de seu tratamento".
Já o
modelo de monitoramento individual da circulação de cada indivíduo usa, sim, dados pessoais. Nesse caso, acompanha-se o
deslocamento de cada pessoa e com quem ela se encontra.
É o chamado
"contact tracing" (rastreamento de contatos).
O
resultado do modelo não é um mapa de calor. É, sim, uma rede detalhada listando
cada pessoa e com quem ela se encontrou, bem como as pessoas com quem ela se
encontrou, e assim por diante.
Se alguém cruzar com uma pessoa infectada, toda
a rede de pessoas que tiveram contato com ela é colocada em quarentena.
Esse modelo foi adotado pela Coreia do Sul. Sua
aplicação só faz sentido se for conjugada com a aplicação massiva de testes de
detecção da Covid-19.
Isso porque é preciso monitorar não só as pessoas que já
estão com sintomas mas também as assintomáticas, que são o principal vetor de
transmissão.
O projeto do Google com a Apple anunciado recentemente para
combater a Covid-19 usa um modelo similar a esse de "contact
tracing", só que sem identificar cada pessoa.
Países
como Singapura levaram esse modelo ao extremo. Fizeram a mesma coisa que a Coreia,
só que também adotaram a estratégia de publicar o nome de todas as pessoas
testadas positivas com Covid-19.
Essa
estratégia mais agressiva depois foi repensada e considerada exagerada e com
eficácia adicional duvidosa.
Até
agora, o Brasil só usou o primeiro modelo, de dados agregados e anonimizados.
Outros modelos vão depender da evolução da doença no país e, especialmente, da
visão do novo ministro da Saúde sobre a questão dos dados.
Ronaldo Lemos - advogado, diretor do Instituto de Tecnologia e Sociedade do Rio de
Janeiro.
Fonte: coluna jornal FSP