Democracias vs. Empresas de Tecnologia
Países
democráticos começam a cercar big techs que não respeitam lei
Para onde quer que se olhe no mundo democrático, há
sinais de mudança de postura com relação às empresas de tecnologia.
A começar
pelos EUA. O país aprovou em abril uma lei para banir o TikTok caso
o controle da empresa permaneça com uma empresa de origem chinesa.
O
projeto não parou por aí. Concedeu ao presidente poder de banir plataformas
controladas por empresas vinculadas a países estrangeiros adversários, bastando
20% de participação deles.
A controladora do TikTok entrou com uma ação para contestar
a lei, com base na primeira emenda da Constituição americana (liberdade de
expressão) e na quinta emenda (desapropriação sem compensação justa).
A ação
está em curso e até o momento a empresa não obteve nenhuma decisão capaz de
parar a aplicação da lei.
Se nada mudar, o aplicativo poderá ser banido nos EUA
a partir do dia 19 de janeiro de 2025.
Já na França o presidente do Telegram, Pavel Durov, foi preso no dia 24 de agosto. A acusação é de
que o Telegram facilita atividades ilegais e não coopera com autoridades.
O Telegram é velho conhecido nosso. No Brasil
é usado para a venda de dados para golpes.
Na plataforma dá para pagar cerca de
R$ 10 para saber o nome completo de alguém, dos pais, irmãos, números de
documentos, endereço, celular, participações societárias, veículos e cópia
integral dos documentos.
Se você conhece alguma vítima de golpe na internet,
essa é a origem de muitos deles.
Só que esse tipo de ilícito é café pequeno perto de
outros no Telegram, que conseguiu tornar a "dark web" acessível a
todos.
Se antes para usar a "dark web" era preciso usar aplicativos e
criptografia pesada, no Telegram isso não é mais necessário.
A plataforma
abriga pedofilia, venda de drogas, armas, terrorismo, tudo a céu aberto.
Quando autoridades de países tão diversos como
Alemanha, Reino Unido ou França tentavam coibir esses ilícitos, o Telegram
fazia de tudo para dificultar: ignorava ordens judiciais, pedidos de
informação, ou de derrubada dos ilícitos.
É
como alguém que é dono de um hotel. Só que no hotel acontece todo o tipo de
atividades ilícitas.
O dono sabe, mas faz de tudo para impedir que a polícia
investigue ou atue sobre os crimes ali.
O
próprio Durov é uma figura curiosa. Ele coleciona nacionalidades, tem inclusive
cidadania francesa, adquirida em 2021. Alega ter mais de 100 filhos pelo mundo.
É adepto da ideologia do "spread the memes and the genes" (espalhe os
memes e genes). O Telegram aparentemente é um brinquedo para ele.
Documentos
vazados apontam que a plataforma teve prejuízo de 173 milhões de dólares em
2023.
A ideia era ganhar dinheiro mesmo com uma criptomoeda integrada na
plataforma, o Toncoin.
Depois
da sua prisão, o Telegram mudou de figura. Anunciou que vai investir pesado em
moderação de conteúdo e criou canais de denúncia disponíveis em toda a
plataforma.
O ponto central é simples: crimes não fazem parte da liberdade de
expressão.
RONALDO LEMOS - advogado, diretor do Instituto de Tecnologia e
Sociedade do Rio de Janeiro.