Eu já aprendi que não é para
enviar e-mails nem escrever posts para o Facebook sobre assuntos delicados à
noite. A razão? Policiar-se exige esforço cognitivo e muita atenção e a noite
é o pior momento para exigir dessas habilidades, quando o cansaço acumulado ao
longo do dia já está cobrando a conta.
De certa forma, é um espanto
não falarmos besteiras o tempo todo nem enunciarmos continuamente em voz alta
nossos processos mentais imaturos. Para o cérebro, o curso natural das coisas é
planejar um movimento e executá-lo em seguida; pensar numa frase, e articulá-la
imediatamente. "Falar primeiro, pensar depois" é mesmo a tendência
natural do cérebro, sobretudo quando as circunstâncias não foram planejadas:
depois do fato é que o cérebro olha para trás e tenta se explicar a razão dos
seus feitos.
A possibilidade de mudar o
curso da estória é cortesia do córtex pré-frontal, na frente do cérebro, que
tem informações sobre nossos planos, sobre futuros alternativos e os
desdobramentos da ação em curso, e assim é capaz de intervir e bloquear o fluxo
natural dos acontecimentos.
Dentro do pré-frontal, o córtex
órbito-frontal é especialista em avaliar as consequências negativas possíveis
de cada ação: a chance de arrependimento. Logo acima, o córtex cingulado
anterior dá sinais de alarme quando o risco de se dizer besteira ou meter os
pés pelas mãos é grande, inclusive durante a fala em curso. Dando o alarme,
essas regiões permitem que outras partes do córtex pré-frontal entrem em ação e
interrompam a quase besteira da vez.
Mas de noite... ah, de noite.
De maneiras que só agora começam a ser compreendidas, o acúmulo de lixo
metabólico ao longo do dia, produto do próprio funcionamento normal do cérebro
no modo acordado, compromete a atividade normal desses circuitos, e sobretudo
nossa capacidade de autocontrole. O córtex pré-frontal, embotado, não tem a
mesma capacidade de intervir e segurar a barra ao fim de um longo dia acordado.
Esperar do próprio cérebro a capacidade de policiar-se tão bem ao fim do dia
quanto após acordar é esperar demais.
Felizmente, tem jeito:
informação e planejamento. Como já sei que a chance de escrever algo de que eu
me arrependa é maior tarde da noite, tento implementar uma política de
nada-de-textos-polêmicos-depois-das-10h.
Com sorte meu córtex
pré-frontal, mesmo que sonolento, consegue se lembrar disso...
Suzana Herculano-Houzel - neurocientista, professora da
UFRJ, autora do livro "Pílulas de Neurociência para uma Vida Melhor"
(ed. Sextante)