Laços sociais influenciam mais do que a internet, diz sociólogo americano


No futuro, será possível prever o estouro de protestos ou até antecipar revoluções "medindo" o conteúdo das redes sociais, é o que afirma Nicholas Christakis, PhD em Medicina.

Suas pesquisas investigam como agimos em rede, não apenas na internet.


"Mas não copiamos tudo que vemos na internet ou na TV. Os laços sociais são muito mais importantes. Quando temos liberdade de escolha, copiamos nossos amigos".                                                   

Ele recebeu a Folha em Yale e falou como fenômenos sociais se espalham – de linchamento e difamação na internet à obesidade e o abandono do fumo. Veja trechos da entrevista.

Manada na Rede
Essa justiça de milícias, feita com as próprias mãos, pode se repetir assim como os suicídios. Quando um adolescente se suicida, é comum outros adolescentes que tiveram contato com essa notícia cometerem suicídio. É um fenômeno das redes.                                                                                                                  
Quando você me fala de pessoas que amarraram um assaltante contra um poste, claramente a maneira simbólica de fazer justiça se espalhou. É o efeito manada na rede social. Isso me lembra os julgamentos das bruxas de Salem nos EUA no século 17 ou a justiça cometida pelos talibãs no Afeganistão.

Mas nem tudo que vemos na TV copiamos em seguida. Os laços sociais, o que nossos amigos fazem, têm um peso muito maior do que é visto pela TV.

Copiar os Amigos
A conexão profunda é com outra pessoa. As redes on-line são boas para disseminar informação, mas se um amigo seu decide ir pra rua, é mais possível você querer segui-lo. A mídia on-line não é tão eficiente em mudar comportamentos. Um grande amigo tem mais peso em influenciar você para ver um filme, mais do que qualquer propaganda. Interações sociais são bem mais importantes, têm mais peso do que aquilo que você vê na internet. Quando temos liberdade para fazermos o que quisermos, copiamos outros.

Bolhas
A tecnologia moderna facilita que sejamos amigos de pessoas que são exatamente como gostamos. Em uma sociedade mais fragmentada, posso só interagir com quem fala de futebol ou só assiste Fox News. Tornamo-nos mais seletivos, esse é um problema. Na rede é mais fácil criar bolhas e reduzir a variedade nas nossas vidas.

Obesidade 'contagiosa'
Existe o efeito da viuvez. Há 150 anos se estuda o chamado "morrer de coração partido". A probabilidade de morrer quando se perde o parceiro ou a parceira de muitos anos duplica no primeiro ano para viúvos e viúvas.
Mas isso não é restrito a maridos e esposas e, sim, a vários pares de pessoas, que podem ser irmãos ou amigos, com conexões muito fortes.

Usamos matemática e diversos graus de separação e descobrimos que a obesidade se espalha em "clusters". A possibilidade de ser obeso é 45% maior se o seu melhor amigo é obeso e 25% maior se é amigo de amigos obesos. Para laços de terceiro grau, a chance cai para 10%. Trabalhamos com diversas hipóteses –de hábitos parecidos, de gente que se aproxima por se parecer.

Anonimato
Os ataques on-line e a agressividade dos comentários da internet me fazem lembrar do Carnaval, dos bailes de máscaras. O anonimato permite que as pessoas façam coisas que ordinariamente não fariam. O mundo digital desinibe as pessoas para o bem e para o mal.

Espalhar bons hábitos
Estamos usando essas ferramentas em testes em Yale para descobrir como se espalha a inovação. Desde como fazer médicos prescreverem menos antibióticos a como fazer com que mais gente queira abandonar o fumo. Você mapeia redes sociais e vê quem são os líderes, quem as pessoas seguem. Em redes off-line, face a face, isso funciona muito mais. Queremos descobrir como reduzir a violência para fazer projetos de intervenção em áreas de muita criminalidade. Como qualquer tecnologia, isso pode ser usado para o mal –as redes podem fazer as pessoas comprarem mais produtos sem necessidade.

Prever protestos
No futuro governos poderão prever, sim, quando protestos, revoltas e greves acontecerão. É assustador imaginar esse uso, já que algumas dessas descobertas podem ser usadas para suprimir a liberdade também e tentar interromper as greves. 

Genes podem influenciar amizades

Um estudo publicado na segunda-feira (14/07/14) na revista "Pnas" por Nicholas Christakis e James Fowler sugere que tendemos a escolher amigos geneticamente semelhantes a nós.

Em geral, nossos amigos são geneticamente tão similares a nós quanto um primo de quarto grau.

Segundo os autores da pesquisa, essa é a primeira análise da correlação de genótipos entre amigos, e o resultado pode ter grandes implicações para a teoria da evolução.

Os dados utilizados na pesquisa são provenientes de um estudo sobre doenças do coração realizado desde 1948 na cidade de Framingham, nos EUA. Os pesquisadores analisaram 1.367 pares de amigos e quase 477 mil marcadores genéticos e variantes desses marcadores. Eles descobriram que amigos têm mais chances de compartilhar variantes genéticas do que estranhos.

Outra descoberta foi que pessoas tendem a escolher amigos com sistemas imunes diferentes.

Ainda que esse resultado pareça contradizer a hipótese inicial dos cientistas, ela reforça uma tese de que há uma sutil influência biológica nas preferências de amizade.

Essa preferência por pessoas com sistemas imunológicos diferentes poderia trazer vantagens evolutivas. Por exemplo, se uma pessoa é imune ao patógeno "x" e seu amigo é imune ao patógeno "y", nem a pessoa nem o amigo poderiam pegar a doença "x" ou "y" um do outro.

Nicholas Christakis - PhD em Medicina, cientista e sociólogo, é diretor do Laboratório da Natureza Humana da Universidade Yale.

Fonte: jornal Folha de São Paulo

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