Centenários: como chegaram aos 100.


Centenários: como chegaram aos 100.

Quando eles nasceram, a penicilina ainda não havia sido descoberta, a vacina contra a tuberculose acabara de ser testada em humanos com sucesso, a expectativa de vida no Brasil era de 35 anos e o mundo passara recentemente pela epidemia da gripe espanhola. 

Estamos falando de idosos com mais de 100 anos, que, segundo o Censo do IBGE (Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística) de 2010, somavam 24.236 pessoas no Brasil. 

Estes são os dados mais atuais pois, por ser uma população rarefeita, apenas os censos demográficos decenais são capazes de contabilizá-la, de acordo com o próprio IBGE.

Previsões mundiais indicam que o planeta terá 3,7 milhões de centenários em 2050. 

Mas qual é o segredo para uma vida tão longeva? O que a ciência já sabe? Por que há locais em que a população vive mais? 

VivaBem conversou com quatro pessoas que já comemoram 100 ou mais aniversários e procurou algumas respostas na ciência.

Os que atingem cem anos de maneira lúcida e saudável têm em comum a alimentação equilibrada, sem exageros; a presença da atividade física no dia a dia, durante a vida toda, como fazer jardinagem, arrumar a casa, caminhar, mantendo o corpo saudável; e a boa saúde mental, a resiliência e a vontade de viver. 

Simone Fiebrantz Pinto, nutricionista e presidente do Departamento de Gerontologia da SBGG (Sociedade Brasileira de Geriatria e Gerontologia).

Lúcido e sem problemas de saúde, Adriano Bonaldi nasceu em 4 de maio de 1921 e vive em Curitiba. É casado há 68 anos com Rosita, que completou 90 anos em fevereiro. Tiveram quatro filhos —um já morreu. 

Nascido na Itália, em Alta Villa Vicentina, Vicenza, veio para o Brasil após a Segunda Guerra Mundial, na qual teve o esconderijo da família bombardeado. 

Sua memória mais antiga é das brincadeiras de infância e de ter sido um bom aluno. 

Na família, pelo que Adriano se lembra, somente o avô chegou perto dos 100 anos. Desenhista formado pelo Instituto Técnico em Verona, após a aposentadoria passou a dedicar-se ao jardim de sua casa. Fez natação e gostava de andar de bicicleta. Aprecia música clássica e costumava dar aulas de violino.

Acorda cedo e come no café da manhã sanduíche, ovo cozido e frutas. Tem o hábito de caminhar em volta da casa, regar o jardim e podar as plantas. 

Depois, é a vez de os canários terem os cuidados do centenário, que gosta de receber a visita frequente de netos e familiares. 

A neta Maria Cecilia, que Adriano chama carinhosamente de Cicci, é uma das mais próximas e com quem tem uma relação muito especial. Ao longo do dia, tira alguns cochilos e mantém o hábito de tomar uma gemada com licor de Marsala, todo fim de tarde. 

Adriano Bonaldi tem acompanhamento multidisciplinar de profissionais, como geriatra, fisioterapeuta, nutricionista e enfermeira.

Otimista, diz que a melhor coisa é não dever —favor, dinheiro, perdão— nada a ninguém.

Centenário sim, mas não tão bem assim No Brasil, um estudo realizado pelo médico geriatra Paulo de Oliveira Duarte, responsável pelo Ambulatório de Super-idosos (Longevos) do Hospital das Clínicas da FMRP-USP (Faculdade de Medicina de Ribeirão Preto da Universidade de São Paulo), avaliou 33 centenários na cidade de Ribeirão Preto (SP) e constatou que 85% estavam em risco nutricional, sendo 33,3% em desnutrição instalada.

A pesquisa, que estudou 33 idosos e foi publicada em 2015, ainda mostrou que:

  • 27 eram mulheres (81,8%)
  • 12 (36,4%) tinham a capacidade cognitiva preservada
  • 12 (36,4%) eram analfabetos
  • 14 (42,4%) estudaram de 1 a 4 anos
  • 14 (60,9%) demonstraram autopercepção de saúde satisfatória
  • maioria era viúva e não houve um casal que fosse centenário
  • em relação à visão e à audição, apenas 16,7% e 9,4%, respectivamente, tinham os sentidos preservados
  • 7 (21,2%) eram acamados
  • nos testes físicos, 15 (45,5%) não conseguiram ficar 10 segundos na posição vertical, com um pé ao lado do outro, e
  • 24 (72,7%) não foram capazes de levantar cinco vezes da cadeira sem utilizar os braços para dar impulso
  • apenas 4 (12,1%) desenvolveram velocidade de marcha satisfatória: 4 metros em até 6,2 segundos.

Os dados demonstram que o envelhecimento ativo ainda não é uma realidade no nosso país, o que é preocupante, já que os centenários e nonagenários são os grupos de idosos que mais crescem, com alta prevalência de múltiplas morbidades. 

Segundo Duarte, pesquisas que comparam centenários nascidos a cada década demonstram que há uma melhora da cognição e funcionalidade. 

"Existem avanços sobre como as pessoas irão envelhecer. Afinal, é uma escolha individual e que se dá de acordo com o estilo de vida." 

É, ainda, a concretização dos avanços na área da saúde, como o desenvolvimento de remédios, melhorias no diagnóstico precoce de doenças e a adoção de medidas de saúde pública, como  vacinação e saneamento básico.

O que influencia mais para ser um idoso saudável?

Segundo a OMS (Organização Mundial da Saúde), o envelhecimento saudável é o processo de promoção e manutenção da capacidade funcional, que possibilita o bem-estar na velhice. 

A capacidade funcional consiste em ter os atributos que permitam que todas as pessoas sejam e façam o que é importante para elas, como mobilidade, memória, linguagem etc..

  • GENÉTICA | Análises realizadas fora do país não trazem respostas definitivas sobre os fatores e genes que estariam relacionados à longevidade. Sabe-se que a genética tem parcela importante e chega a corresponder a 30%. Publicada em 2021, a pesquisa "Assinaturas de proteínas de centenários e seus descendentes" sugere que os centenários envelhecem mais lentamente do que outros humanos e aponta que aspectos biológicos podem regular o envelhecimento e a longevidade.
  • HÁBITOS | Os 70% restantes dependem da forma como vivemos, dos hábitos, do ambiente e de como se enxerga a vida. Curiosidade em aprender coisas novas e o não sedentarismo seriam fatores adicionais. "Não existe envelhecimento saudável sem exercício físico. A prática regular faz com que os marcadores inflamatórios diminuam bastante", cita o geriatra Duarte. O acesso ao sistema de saúde, público ou particular, e a alimentação equilibrada são condições identificadas entre os centenários. Um estudo da Escola de Medicina de Boston, nos EUA, acompanhou centenários de oito cidades e aponta como algo comum entre os longevos é que poucos são obesos. O tabagismo não é frequente —inclusive, no levantamento feito em Ribeirão Preto, 85% dos centenários nunca fumaram.
  • ESTUDO | A rede de apoio —familiar ou não— e a escolaridade também afetam positivamente a qualidade de vida da população idosa. De acordo com estudo divulgado em janeiro de 2022, por pesquisadores da FMUSP (Faculdade de Medicina da Universidade de São Paulo), o tempo de escolaridade ajuda a mitigar os efeitos das lesões cerebrais na diminuição de habilidades cognitivas, incluindo memória, atenção, função executiva e linguagem, no envelhecimento.
  • SAÚDE MENTAL | Além disso, observa-se a forma como encaram a vida e lidam com o estresse. São resilientes e mantêm propósitos de vida. Na opinião do geriatra, essas peculiaridades levam a saírem da zona de conforto. Já em relação ao otimismo, não há estudos que comprovem que essa característica faça aumentar a sobrevida. Contudo, 58% não relataram sintomas de depressão entre os que foram avaliados em Ribeirão Preto.

JANAÍNA SILVA - colaboração para VivaBem

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