A palavra do ano de 2024 é... apodrecimento
cerebral
O que é e como
evitar o 'brain rot'.
A "palavra do ano" eleita em 2024
pelo dicionário Oxford é uma expressão de duas palavras: "brain rot",
ou apodrecimento cerebral.
A expressão descreve o dano mental atribuído ao
excesso de uso de mídias digitais para consumir conteúdo trivial e irrelevante.
A espécie mais promissora do planeta, aquela que carrega em seu cérebro o maior
número de neurônios corticais capazes de encontrar padrões, formar associações
e aprender com o passado para mudar o futuro, quem diria, resolveu usar sua
capacidade cerebral para gastar tempo rolando telas.
Que fique claro: o "dano mental" é
presumido. A perda de tempo e oportunidades, no entanto, é certa e documentada.
Segundo o Relatório Digital 2024,
brasileiros passam em média nada menos do que três horas e 37 minutos –assim
mesmo, com todas as letras– pendurados em redes sociais, sobretudo Instagram.
Apenas os cidadãos do Quênia e da África do Sul ganham dos brasileiros, e
por meros minutos. Nos EUA, a média é de duas horas e 18 minutos; na Europa, fica abaixo de duas horas, e no Japão, não chega a uma hora diária.
Certo,
também, é o emburrecimento do usuário comparado com o que ele poderia alcançar
se tivesse usado aquelas quase quatro horas para pensar sobre algo mais útil do
que os mesmos memes repetidos e reciclados ad nauseum ou mais gatinhos fazendo
bobagens adoráveis no septuagésimo nono vídeo do dia.
Quase
quatro horas. Como pode?
O
que define as mídias sociais não é o serviço que lhes dá nome, de aproximar
gente que não teria oportunidade de se encontrar em pessoa.
Isso é apenas a
desculpa oferecida pelas plataformas aos usuários, e pelos usuários a si
mesmos, para justificar sua presença continuada.
O que define as ditas redes
sociais é o passo rápido de conteúdos rasos num poço sem fundo de diversão e às
vezes até informação, mas quase zero conhecimento.
A
parte mais importante, contudo, é a necessidade de envolvimento do usuário para
rolar a tela e pular de uma imagem ou vídeo ao próximo –
Esse
envolvimento mínimo, mas absolutamente necessário, é a sacada bilionária das
plataformas "sociais".
Exigir que o usuário estenda um dedo para
rolar a tela capitaliza em cima da função mais básica, mais primordial, do
cérebro: a sequência de agir, monitorar o resultado da ação, e então agir de
novo dependendo do resultado da primeira ação.
De todas as alternativas
possíveis, a ação escolhida a cada instante é aquela que mais vale a pena,
literalmente: a que traz maior gratificação com menos esforço.
Ler
o jornal ou um livro ou sair para encontrar amigos e colegas dá trabalho, mas
rolar a tela só custa estender o dedo –e a recompensa, movida à dopamina
(pronto, usei a palavra mágica) que sinaliza o retorno positivo, é imediata.
As
redes sociais são apenas a versão vitaminada do caça-níqueis dos cassinos, e
como nos cassinos, a casa sempre ganha.
As
plataformas se defendem pondo a culpa do excesso de uso no usuário, e claro que
elas têm razão –e zero preocupação: escolher não usar aquilo que dá prazer
fácil exige esforço.
Libertar-se
do abuso das redes sociais é como fazer dieta: é muito mais difícil comer só um
pedacinho de bolo do que nenhum bolo.
Desde quando o Rei Trump foi eleito, meu
consumo diário de redes sociais é estritamente zero. Meus dias são tão mais
longos e ricos. Eu recomendo.
SUZANA
HERCULANO-HOUZEL - bióloga e neurocientista da
Universidade Vanderbilt (EUA).