Sobre alhos, bugalhos e dinossauros.


Sobre alhos, bugalhos e dinossauros

Há que se fazer comparações corretas.

Mês passado contei que descobri quantos neurônios tiranossauros e outros dinossauros bípedes carnívoros tinham em seu telencéfalo: muitos, chegando a bilhões —tantos quanto encontramos hoje em papagaios, macacos e babuínos.

Ou seja: os bichos tinham capacidade biológica para serem cognitivamente flexíveis e inteligentes, para utilizar objetos como ferramentas e fazer suas próprias, e até para construir culturas. 

Nada que um asteroide não pudesse aniquilar, claro (humanos, aprendam, por favor).

Como cheguei a essa conclusão, se não há cérebros de dinossauros em meus freezers?

Por semelhança e inferência parcimoniosa. As aves terrestres de hoje surgiram na época dos dinossauros —aliás, para ser correto, elas são dinossauros, do tipo terópodes como os tiranossauros. 

Dinossauros (aves inclusive) são parte de um grupo ainda maior: os répteis. 

Isso simplifica a pergunta sobre o cérebro de dinossauros: seriam eles como o cérebro de outros répteis vivos hoje, ou seriam já como o cérebro das aves terrestres que sobreviveram ao asteroide —ou algo entre os dois?

Usando dados que um ex-colaborador gerou sobre os números de neurônios que formam o telencéfalo de aves terrestres e o que costumamos chamar de "répteis", mostrei que a maior distinção entre os dois grupos é que os primeiros, de sangue quente, têm um número muito maior de neurônios num mesmo volume de telencéfalo. 

Ou seja: tamanho não é documento mesmo em dois tipos de répteis, com e sem asas —ou de sangue quente ou frio.

Tenho toda uma outra história para contar sobre como a mesma "invenção" que permitiu a manutenção de uma temperatura corporal elevada teria tornado possível números muito maiores de neurônios no cérebro, além de um cérebro maior, mas fato é que os répteis voadores de sangue quente (digo, aves) têm cérebro muito maior, e com muito mais neurônios, do que répteis rastejantes de sangue frio. 

Donde minha pergunta: onde os dinossauros se encaixavam?

A resposta é "no meio do caminho", o que lhes rendeu a apelação "mesotermos" oito anos atrás, quando pesquisadores colocaram vários tipos de dinossauros no liquidificador da análise matemática.

Para mim, foi o equivalente a colocar maçãs e laranjas no processador e tirar conclusões, pelo resultado, sobre as características de uma fruta que não existe. 

Olhando diretamente as frutas, digo, os dados para tipos diferentes de dinossauros, fica óbvio que os terópodes, como o T. rex, tinham cérebro do tamanho esperado para aves de sangue quente, enquanto a maioria dos outros tinham cérebro do tamanho esperado para répteis de sangue frio. 

E se as regras que valem hoje para aves já valiam para terópodes, então eu posso usar o tamanho do seu cérebro para estimar seus números de neurônios.

E, de quebra, mostrar que dinossauros não eram mesotermos coisa nenhuma. 

Sobretudo em tempos de big data, há que se lembrar de separar alhos e bugalhos: o "meio termo" matemático sempre pode ser calculado, mas é uma aberração biológica sem valor.

SUZANA HERCULANO-HOUZEL - bióloga e neurocientista da Universidade Vanderbilt (EUA).

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