Em
um momento tão importante como este no Brasil, não consigo pensar em nenhum
outro tema que não seja o provérbio chinês “Sài wēng shī mă yān zhī fēi fú” (“O
ancião Sài perde o cavalo, como saber se é bom ou ruim?).
Esse
provérbio faz parte do conjunto de textos conhecidos como Huainanzi,
datado de antes de 139 a.C. São textos até hoje muito populares, que
mesclam diversas correntes de pensamento, incluindo o taoismo e confucionismo.
Esse
provérbio conta a história de um ancião que habitava a fronteira
norte da China, perto da Grande Muralha. Um belo dia, seu único cavalo
fugiu e acabou indo parar no lado inimigo da fronteira, onde atualmente é a
Mongólia.
Naquele
tempo, um cavalo consistia no bem mais valioso que uma pessoa poderia ter. Em
razão disso, os vizinhos do ancião pensaram todos que aquele era um grande
infortúnio e foram consolá-lo. No entanto, o ancião se mostrava impassível,
limitando-se a dizer: “Não sei se é bom ou ruim”.
O
tempo passou e, sem que ninguém esperasse, o cavalo reapareceu acompanhado de
uma égua, que logo deu à luz um potro.
O
ancião agora tinha três animais. Todos os vizinhos foram então dar parabéns ao
ancião, que, de novo, limitou-se a dizer: “Não sei se é bom ou ruim”.
Mais
tempo passou, e o filho do ancião aprendeu a andar a cavalo. Em uma certa
tarde, ao cavalgar, sofreu um grave acidente e fraturou o fêmur. Na época, sem
recursos médicos, isso significava que estaria condenado a não andar mais por
toda a vida.
De
novo, diante da preocupação dos vizinhos, o ancião limitou-se a dizer: “Não sei
se é bom ou ruim”.
Um
ano se passou, e uma violenta guerra teve início com o Norte. Todos
os jovens da aldeia foram obrigados a lutar contra o exército inimigo. Por sua
condição física, o filho foi poupado de se alistar. A guerra foi devastadora, e
nove entre dez jovens aldeões morreram.
Diante
do olhar comovido dos vizinhos sobreviventes, de novo o ancião limitou-se a
dizer: “Não sei se é bom ou ruim”.
O
Huainanzi, curiosamente, foi escrito como uma espécie de tratado de governo.
Seus textos foram dados de presente ao jovem imperador Wu, então com 15 anos,
com o objetivo de lhe servir como guia e manual de conduta.
Apesar
da aparente indiferença do provérbio “Sài wēng” quanto à questão do que é “bom
ou ruim”, o Huainanzi não é neutro. Ele prenuncia maus augúrios sempre que um
governante se distancia do caminho da virtude e da sabedoria.
Ronaldo Lemos - advogado, diretor do Instituto de Tecnologia e
Sociedade do Rio de Janeiro.
Fonte: coluna jornal FSP