Como os líderes de RH podem se
adaptar aos tempos incertos
O departamento de Recursos Humanos tinha uma tarefa
difícil antes da pandemia. Em 2019, mais de 50% dos líderes de RH
lutavam para assegurar que os empregados obtivessem as habilidades necessárias
para navegar em um local de trabalho cada vez mais digitalizado.
No entanto,
temos de admitir que esse “futuro do trabalho” sempre nos pareceu estar a uma
distância segura – pelo menos o suficiente para nos prepararmos com
cuidado.
Minha empresa, HPWP Group, é líder nas discussões
sobre o futuro do trabalho e em como isso impactou os profissionais de RH nos
últimos 15 anos. Podemos dizer que a Covid-19 mudou as regras do jogo.
Hoje, os
líderes de RH trabalham sem parar, adotando medidas inéditas para que seus
empregados se mantenham seguros e para assegurar que as organizações
sobrevivam. Planejam e decidem sobre os auxílios de renda, demissões e reduções
na força de trabalho.
Estão procurando se adaptar ao trabalho remoto em massa.
Criam planos para a continuidade do negócio, elaborando procedimentos de
comunicação de emergência e evitando a disseminação de germes no
escritório.
Todas essas questões estão sendo tratadas por meio
de um processo bem conhecido: definir o problema, resolver as variáveis que o
tornam complicado e chegar a um acordo sobre qual é a melhor maneira de seguir
em frente.
Mas quando consideramos que os maiores desafios com os quais nos
deparamos hoje são aqueles que muitos líderes nunca tiveram de enfrentar antes,
fica claro que não são somente complicados (previsíveis), mas são complexos
(desconhecidos).
Solucionar problemas de maneira tradicional, cujo objetivo é
resolver o que é complicado em vez do que é complexo, não produzirá as soluções
mais eficazes.
Como temos visto no nosso trabalho, muitas equipes
de RH têm como objetivo resolver questões por meio do desenvolvimento de políticas
e procedimentos. Infelizmente, uma vez criadas, essas mesmas políticas são
raramente reexaminadas e acabam por levar a problemas adicionais –
especialmente agora que o ambiente está mudando de forma tão rápida.
Ao mesmo
tempo, uma abordagem que se aplique a todos não permitirá que surja o tipo de
pensamento individual e a criatividade que resulte em soluções mais
inovadoras.
Para serem de fato eficazes neste “novo normal”,
acreditamos que os líderes de RH devem se adaptar e desenvolver uma nova capacidade
fundamental: uma mentalidade voltada à complexidade.
Transição do complicado para o complexo
Essa mudança de atitude exige que deixemos de lado
a visão do complicado e passemos à consciência da complexidade.
Em outras
palavras, os problemas complicados exigem o pensamento linear — em
geral, eles podem ser previstos ou evitados e se beneficiar de informações de
especialistas. Já passamos por esse tipo de solução de problemas repetidas
vezes. É algo conhecido.
Em contraste gritante, problemas complexos
encontram-se no reino do desconhecido. Ainda não existem melhores práticas para
solução de problemas complexos porque nunca os experimentamos antes e,
portanto, não poderíamos tê-los previsto.
Dessa forma, é vital explorar a
inteligência coletiva de sua organização, priorizar os valores da empresa e
permitir que surjam soluções.
Isto significa que os líderes de RH deverão começar
a colaborar mais com os funcionários em todos os níveis. Agora é hora de focar
nas relações interpessoais em vez de se concentrar em controle, normas e
hierarquia.
Para se adquirir uma atitude voltada à complexidade, deve-se
primeiramente aceitar que a complexidade existe e precisa ser abordada de uma
outra maneira. Veja como os líderes de RH podem abraçar essa atitude.
Explore o poder da inteligência
coletiva. Quando surgirem problemas complexos, não subestime seu recurso
mais valioso: a inteligência de seus próprios funcionários.
A maioria de sua
força de trabalho é composta por pessoas inteligentes e confiáveis, que sabem
fazer seus trabalhos melhor do que seus líderes.
Considerando tudo o que os
líderes de RH têm de enfrentar hoje, eles não serão bem-sucedidos se não
confiarem em seus funcionários para ajudá-los a criar soluções para questões
como trabalho remoto, engajamento contínuo e apoio adicional.
Em outras
palavras, não terão sucesso se não adotarem a inteligência coletiva.
Inteligência coletiva significa inteligência em
grupo, que emana da colaboração, esforços e engajamento de diferentes equipes.
No seu livro “A sabedoria das multidões”, o jornalista e escritor
James Surowiecki afirma que a inteligência coletiva precisa de quatro condições
para florescer:
(1) diversidade de opinião para proteger contra o pensamento de
grupo;
(2) pensamento independente que liberta as pessoas para que possam
expressar suas próprias opiniões sem julgamento ou pressão para agirem de
acordo;
(3) descentralização, o que significa que, quanto mais próximo uma
pessoa estiver de um problema ou cliente, maior a probabilidade de ela oferecer
uma contribuição significativa; e
(4) um bom método para adicionar
resultados.
Há anos venho ensinando aos líderes a mecânica
de utilizar a inteligência coletiva em suas equipes. Isso exige
excelentes habilidades de facilitação, parâmetros bem definidos e muitos flip
charts e bloquinhos de post-it.
As equipes amam isso,
porque faz com que possam compartilhar informações reais e significativas sobre
questões importantes.
Os resultados são ideias inovadoras, diversidades de
pensamento alinhadas (paradoxalmente), e equipes mais fortes.
Um problema complexo recente que exige essa
abordagem é a prática crescente de “integração virtual de novos funcionários”.
A LinkedIn oferece um exemplo virtuoso de como resolver isso utilizando a
inteligência coletiva. Para ser bem executado, o processo de integração virtual
exige a colaboração entre RH e os departamentos de TI.
De acordo com SHRM,
a equipe de TI da LinkedIn desenvolveu um conjunto de credenciais que sua
equipe de RH pode utilizar para carregar remotamente um software utilizado
internamente, a fim de assisti-los com treinamento de novos funcionários.
Para
realizar isso, contudo, sua equipe de RH deve, primeiramente, flexibilizar a
hierarquia e convidar os membros de outras equipes para saírem de seus
departamentos e compartilharem ideias sobre como melhor se comunicar com os
novos membros.
Ao promover o engajamento entre diferentes
funcionários e departamentos, as empresas podem vencer obstáculos que
inicialmente pareciam ser difíceis de resolver e vencer. Devolva a humanidade
aos recursos humanos.
Para um excelente exemplo de complicado versus complexo,
considere a gestão de desempenho.
A maneira tradicional de pensar é que o
comportamento do funcionário deve ser orientado pelas regras de compliance.
Na minha experiência, advogados corporativos estão sempre dizendo para os
líderes de RH que eles devem adotar uma atitude de mitigação de risco a fim de
evitar processos legais.
Essa atitude se traduz no cultivo da burocracia:
regras, políticas e práticas para cada mau funcionário que aparecer.
Para
piorar as coisas, os líderes de RH são lembrados continuamente de que devem
“tratar todos da mesma maneira”, o que, tendo em vista que cada pessoa e cada
situação é diferente, resulta em injustiça e falta de bom julgamento.
A burocracia e a “justiça” são soluções simples que
não resolverão problemas complexos.
Para um exemplo pontual, considere a
empresa de vídeo games, Activision Blizzard. Seus líderes de RH foram obrigados
a se confrontar com o fato de sua política de trabalho remoto ser
inflexível ao se depararem com a realidade da Covid-19.
Pais buscando
encontrar um equilíbrio entre trabalho e filhos, e funcionários com problemas
de saúde não foram resolvidos de maneira adequada.
Em vez de se aterem a regras
rígidas, a empresa apresentou soluções rápidas – como horário flexível e acesso
remoto ao sistema – visando a apoiar seus funcionários de maneiras nunca antes
cogitadas.
Os líderes de RH que entendem a complexidade veem o
desempenho da empresa como o resultado de comunicação aberta e clara, premissas
positivas e autogestão.
Em vez de adotarem uma abordagem matricial, alinhando
infração com punição correspondente, informam a suas equipes sobre determinado
problema e seu impacto.
A abordagem que utiliza inteligência
emocional levará a uma maior produtividade e a níveis maiores de
engajamento.
Na prática, isso significa que, quando uma equipe
ou um funcionário vem até você com um problema, você deve investigar a causa
subjacente em vez de ir logo adotando uma solução de acordo com as regras de
manual.
Faça perguntas abertas como “O que o está detendo?” ou “Como você
lidaria com isso?”
Durante todo o processo, admita que a grande maioria dos
funcionários é formada por pessoas boas que vão querer resolver um problema
quando este for levado a eles.
Assim, você estará livre para mediar uma solução
duradoura em vez de aplicar disciplina.
Promova uma cultura de confiança
À medida que navegamos no cenário atual, precisamos
de confiança para servir como fundamento para criar equipes que se
sintam à vontade para enfrentar juntos o desconhecido.
Muito tem
sido escrito sobre a necessidade de as organizações melhorarem a
comunicação, mostrarem reconhecimento aos funcionários e praticarem a
transparência, mas a mudança real tem sido lenta.
À medida que essa crise se
desdobra, é minha esperança que as organizações possam ver os benefícios de se
criar locais de trabalho onde haja respeito, confiança e que ajam com mais
urgência do que antes.
Do ponto de vista do funcionário, temos de
considerar que mais de 60% dos trabalhadores têm a opinião de que a
confiança entre a alta gestão e os funcionários constitui algo fundamental para
sua satisfação.
Isso porque ambientes de alta confiança permitem que
as pessoas sejam o que realmente são, e quando as pessoas podem trazer o que
realmente são para o trabalho, elas se tornam não somente mais criativas, mas
mais produtivas também.
Criar uma cultura de alta confiança começa com
crenças positivas em relação aos funcionários porque as suposições conduzem o
comportamento.
Se você presumir que seus funcionários trabalham com afinco,
preocupam-se com o sucesso da empresa e atuam com integridade, é muito mais
provável que agirão dessa forma (desde que saibam o que se espera deles).
“Obter a cultura certa é crucial em todos os níveis do negócio a qualquer
momento – mas é particularmente importante em tempos de crise”, escreveu
recentemente Diane Adams, Diretora de Cultura e Talento da Sprinklr. “Quando
estamos felizes, estamos na nossa melhor forma pessoal e profissional, e todo
mundo sai ganhando.”
Para os líderes de RH, isso significa recompensar o
desempenho excepcional com reconhecimento público e oportunidades de
crescimento individual, encorajando a autonomia do funcionário, permitindo que
os trabalhadores estabeleçam seus próprios hábitos e moldem seus papéis e
promovendo transparência por meio da comunicação aberta e do desenvolvimento de
relacionamentos.
O objetivo é desenvolver um relacionamento entre líder e
funcionário baseado em sinceridade e sensibilidade, e desmontar a noção de que
os gestores devem se afastar de pontos de vista pessoais.
Os líderes de RH que adotam uma atitude consciente
de complexidade reconhecem que a confiança é primordial para sobreviver à crise
atual.
Felizmente, muitos percebem isso e já começaram a criar uma cultura de
confiança fidedigna:
A pesquisa Edelman mostra que as pessoas confiam
mais em seus empregadores do que em governos ou na mídia quando se trata de
comunicação relacionada ao coronavírus.
Torne os valores da empresa seu alicerce.
O temor e o pânico levam a reações involuntárias
durante uma crise. Mesmo as organizações progressistas retrocedem ao pensamento
tradicional.
Infelizmente, sob grande pressão, não é raro ver líderes de todos
os tipos – inclusive equipes de RH – tomar decisões autocráticas sem considerar
seu impacto nos funcionários.
Ao seguir em frente, os líderes de RH podem
ajudar a combater esse instinto ao se concentrarem mais em demonstrar justiça e
paixão por seu pessoal.
Adotar uma atitude de complexidade significa
retornar aos valores da empresa e permitir que esses valores se tornem um
filtro para a tomada de decisão em situações de grande pressão.
Toda a empresa
bem-sucedida tem um conjunto de crenças fundamentais sobre as quais o negócio e
seu comportamento são fundamentados.
No entanto, muitas vezes são apenas
palavras no mural, quando deveriam ser a base de como a organização exerce sua
missão durante os bons e os maus tempos. Esse conceito único tem o potencial de
transformar profundamente as organizações.
Oitenta e dois porcento dos
funcionários acreditam que uma cultura de trabalho positiva é o resultado
de uma base orientada ao valor e à missão.
De que maneira você utiliza seus valores como guia
para decisões?
Eis algumas questões para guiá-lo baseado em valores comuns que
possuímos.
Valor Comunicação
Questões a se considerar:
·
Que informações nós compartilhamos ou
podemos compartilhar que aumentariam a transparência?
·
Quais informações os funcionários
precisam e querem?
·
Quais informações fariam os
funcionários se sentirem mais envolvidos?
Valor Confiança
Questões a se considerar:
·
Se tivéssemos confiança na grande
maioria dos funcionários, o que faríamos de maneira diferente?
·
O que está impedindo a confiança?
·
Que comportamentos pessoais podemos
demonstrar que ajudariam a criar ainda mais confiança?
Valor de Engajamento do funcionário
Questões a se considerar:
·
Até que ponto os funcionários são
afetados por essa situação?
·
Que experiência ou conhecimento eles
têm que seria valioso com relação a esse tópico?
·
Fizemos com que alguns tópicos se
tornassem tabu para o engajamento do funcionário? Se esse for o caso, que
suposições impõem o tabu?
Se aplicarmos essa abordagem, temos outros
benefícios também: Utilizar seus valores como um filtro significa menos
estresse, mais tempo, e melhores resultados.
De fato, as empresas B, que se
comprometem com mais do que simplesmente lucro ou crescimento, têm 63% mais
chance de sobreviverem à pandemia do que outras empresas do mesmo porte.
Se você trabalha em Recursos Humanos, lembre-se de
que seu papel – sempre, mas especialmente hoje – é o de ser a consciência moral
da empresa.
Conheço líderes de grandes empresas que estão dispostos a se
manifestar e a desafiar suas organizações a atuarem alinhadas com seus valores.
Isso pode (e deve) ser seu papel, também.
Adotar uma atitude de complexidade o
ajudará a realizar isso.
Sue Bingham - fundadora e diretora do HPWP
Group, atua na linha de frente do movimento em prol do negócio positivo há 35
anos. Bingham está comprometida com a criação de locais de trabalho em parceria
com líderes corajosos que valorizam as contribuições dos membros da equipe. Ela
escreveu também“From hierarchy to high performance”, “It’s not complicated
to develop a culture of commitment”, e contribuiu para o
livro “From hierarchy to high performance”, bestseller internacional.
Fonte: Harvard Business Review