Comportamentos, hábitos e manias que cultivamos durante toda a
vida se tornam profundamente enraizados e passam a ser considerados como parte
da nossa própria natureza. No entanto, também é natural querer mudar tudo
aquilo que é um obstáculo para a nossa felicidade.
Confesso que gostaria de conseguir mudar a minha natureza. Tenho
um "defeito" considerado grave pelas pessoas que me cercam. Todas as
minhas amigas e (ex) namorados/maridos sempre me criticaram: "você só
gosta de trabalhar", "você não tem vida social", "você acha
um verdadeiro sacrifício ter que sair da sua toca".
Reconheço que eles têm razão. Gosto de ficar em casa, quieta,
tendo ideias para os meus projetos, preparando aulas e palestras, lendo,
escrevendo, vendo um bom filme. Preciso de muita concentração e silêncio para
trabalhar.
Consegui controlar a minha ansiedade e superar a minha
introversão, insegurança e timidez na vida profissional. Mas na vida pessoal
sou um verdadeiro desastre.
Já fiz um enorme esforço para mudar a minha natureza: tentei
sair mais, encontrar mais frequentemente os amigos, ir a festas. Mas, por mais
que eu me esforce, nunca é o suficiente. Sempre acabo recebendo a mesma
acusação: "você não é uma pessoa sociável". Tudo fica pior ainda
quando sou comparada (ou me comparo) com mulheres que são naturalmente mais
sociáveis e sabem como receber os amigos e a família.
Quanto mais eu tento corresponder ao modelo de mulher sociável,
mais me sinto inadequada, imperfeita e culpada por ser do jeito que eu sou.
No início de uma relação amorosa, naturezas diferentes são
toleradas em função de um desejo maior: construir uma vida em conjunto. Com o
passar do tempo, os desejos individuais se tornam mais fortes, as insatisfações
aumentam e as cobranças para mudar se tornam constantes e até mesmo cruéis.
Algumas características pessoais podem provocar conflitos que
parecem sem solução. Mudar, só para se ajustar aos desejos dos outros, pode se
tornar uma violência contra a própria natureza.
Em algum momento da vida, pode ser na juventude ou até mesmo na
velhice, descobrimos uma triste realidade: precisamos mudar!
Eu quero (e preciso) mudar. Mas será possível mudar a própria
natureza?
Mirian Goldenberg - antropóloga e professora da
Universidade Federal do Rio de Janeiro. É autora de 'Coroas: corpo,
envelhecimento, casamento e infidelidade'.
Fonte: coluna jornal FSP