Favelas do Rio sem Pokémons expõem tipo inovador de desigualdade social


POKÉMON GO é um jogo em que, para progredir, é necessário capturar e manter o maior número possível de monstrinhos japoneses. A questão é que eles ficam espalhados pelo território real da cidade. Ou seja, é preciso ir até o lugar físico onde se encontram para capturá-los.

Ideia genial, que já virou febre em vários países, mas que no Rio apresenta problemas. O espaço urbano da cidade é sitiado. Há áreas onde nem o poder público nem a Força Nacional conseguem entrar. Quem dirá incautos caçadores de Pokémon. O jogo expõe, assim, a dura realidade de se viver em uma cidade fraturada, onde conceitos como o "direito de ir e vir" aplicam-se mais ou menos em algumas áreas e nada em muitas outras.


A coisa fica ainda mais complexa. Pokémon Go utiliza a interface do Google Maps para mapear a cidade, ruas e pontos de interesse, para neles colocar os Pokémons. Ocorre que apenas 0,001% da área das mais de mil favelas cariocas é mapeado. Elas aparecem no mapa como "áreas verdes" ou grandes vazios, apesar de mais de 1,5 milhão de pessoas viver nelas. Será que as favelas cariocas serão completamente desprovidas de Pokémons? Está aí um tipo inovador de desigualdade social.

Nesse contexto, Pokémon Go e a Olimpíada são como os óculos do genial filme de John Carpenter —"Eles Vivem"—, que, ao serem colocados, expõem a realidade como ela é.

Isso se aplica também à Olimpíada porque os milhares de integrantes das delegações olímpicas aportarão no Rio desprovidos desse olhar sobre o território que é treinado por anos de convívio com a violência e a segregação. Na perspectiva da maioria dos visitantes, o Rio será visto como um só. Um enorme território repleto de atrativos que, com um pouco de bom senso, pode ser livremente explorado.

Sem esse conhecimento "adicional" de como a cidade funciona, o período olímpico pode se converter em uma amostra do tipo de notícias que o lançamento de Pokémon Go irá produzir no Rio. Ninguém se surpreenderá com notícias de visitantes "ingênuos" que foram ao lugar "errado" na hora "errada". Que se deram mal ao virar uma esquina que nenhum carioca "escolado" ousaria dobrar.

A primeira notícia do tipo foi inaugurada com o lutador neozelandês que foi sequestrado por policiais e teve de pagar R$ 2.000 para ser libertado. Qualquer realidade aumentada fica sem graça perto dessa realidade real.

O que fazer com relação a isso? Trabalhar para que o território seja um só? Do jeito que a coisa anda, é possível que a solução proposta seja diferente: proibir Pokémon Go no país, bloqueando seus servidores tal como aconteceu com o WhatsApp. Afinal, o game pode por em risco a vida de jovens. Viver no Rio é perigoso. Jogos de toda sorte também. 

Ronaldo Lemos - advogado, diretor do Instituto de Tecnologia e Sociedade do Rio de Janeiro (ITSrio.org). Mestre em direito por Harvard. Pesquisador e representante do MIT Media Lab no Brasil. 

Fonte: coluna jornal FSP

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