Por
mais que a imagem tente nos enganar, o fato é que não estamos olhando para
ninguém.
Circulou pela rede nos últimos dias um vídeo do ministro
Gilmar Mendes que captura o momento após ele participar de videoconferência por Zoom. Nos segundos finais
da reunião, o ministro está ainda sorridente e cordial. Tão logo a reunião
termina, sem saber que a câmera e o áudio estavam ativos, o ministro bufa alto
e solta um sonoro palavrão.
Acredito que a maioria das pessoas irá se identificar
com essa exasperação. O fim de uma videoconferência é realmente um momento
singular, que mistura sentimentos como raiva, cansaço, estresse e alívio.
Surgiu até uma expressão em inglês para definir esse
momento: “Zoom fatigue” (fadiga de Zoom), em referência
à cada vez mais popular plataforma. A origem dessa fadiga tem razões que
merecem análise. Fazer uma videoconferência longa com câmera ligada envolve um
esforço de comunicação que não é nada natural.
Por
mais que a imagem queira nos enganar que estamos olhando e interagindo com
pessoas, a verdade é que não estamos olhando para ninguém, mas sim para uma
tela.
Nas
relações pessoais físicas, a interação em “tempo real” permite construir
confiança mútua pela leitura de sinais como expressões faciais, postura corporal
e o fato de os envolvidos estarem vivendo uma mesma experiência de tempo e
espaço.
Já
a convivência em uma videoconferência é sempre dissociativa. O tempo até pode
ser o mesmo. Mas o espaço e as experiências compartilhadas são radicalmente
diferentes. Uma pessoa pode estar fazendo a reunião da cozinha de casa, outra
do escritório, outra do carro e assim por diante, cada uma em um contexto
social e emocional totalmente distinto.
Além
disso, é impossível ler com precisão os sinais de quem está do outro lado. O
emissor não sabe como o receptor reage à sua mensagem. Ao mesmo tempo, todos
ficam prisioneiros de um quadrado virtual fixo, determinado pela câmera.
Para
piorar, há o problema de para onde olhar. Se o participante olha para a câmera,
isso produz um efeito positivo no receptor, que fica com a sensação de estar
sendo olhado “nos olhos”. No entanto, gera um efeito contrário no emissor, que
se desconecta da expressão facial da pessoa e passa a focar não um olho humano,
mas sim o minúsculo e perturbador buraco negro da câmera, posicionada no topo
da tela.
Se
a decisão é olhar para o rosto da pessoa, ela pode estar posicionada no canto
inferior esquerdo da tela. O ouvinte se conecta aos olhos dela, mas, para quem
está falando, fica parecendo que a pessoa está com o olhar enviesado. Um
desencontro total. O resultado de tudo isso é o cansaço, o estresse, a raiva e
a frustração causados pela artificialidade das reuniões virtuais.
Ficam
aqui duas singelas sugestões para mitigar o problema. Para os designers das plataformas,
quando alguém falar, coloque o quadradinho da pessoa exatamente ao lado de onde
a câmera estiver, e nunca em lugar oposto a ela.
Já
para todos nós, que tal combinarmos o seguinte: é totalmente aceitável fazer
uma videoconferência sem ligar a câmera. Isso reduz a dissociação entre tempo e
espaço, o estresse e o desencontro entre os participantes. O ministro Gilmar
Mendes e eu agradecemos.
Ronaldo Lemos- advogado, diretor do Instituto de Tecnologia e
Sociedade do Rio de Janeiro.
Fonte: coluna jornal FSP