De
quando em quando, surge na internet o que parece ser uma excelente ideia
educacional para usar com os filhos. São publicações de pais, nas páginas dos
filhos e/ou da família, em que eles comunicam as atitudes que irão tomar para
conseguir que os filhos os obedeçam.
Uns
dois anos atrás, um pai postou uma lista de atitudes dos filhos que provocariam
descontos em sua mesada. O maior desconto era o de "Desobedecer pai ou
mãe", de R$ 3 em uma mesada cujo valor era de R$ 50. Os menores descontos
(R$ 0,25) eram correspondentes a "Não tomar banho", "Ir de
madrugada para a cama dos pais" e "Comer na sala de TV/estar",
entre outros.
Cada
vez que os filhos cometiam uma falta que estava na lista, isso era registrado
na planilha e, ao final do período, o pai calculava todos os descontos e
obtinha, dessa maneira, o valor da mesada que os filhos tinham a receber.
Na
época, essa postagem viralizou, como se costuma dizer de algo que rapidamente
alcança um enorme número de compartilhamentos nas redes sociais. Não foi pequeno
o número de pais que adorou a estratégia e afirmou que iria utilizar com os
filhos. Se isso ocorreu, e por quanto tempo, não sabemos.
Desta
vez, foi a publicação de um outro pai que passou por esse fenômeno de
compartilhamentos, com repercussões nas mídias impressas, televisivas etc. O
pai anunciou para a filha adolescente que ele iria trocar a senha do wi-fi de
casa todos os dias, e que ela só a obteria após lavar a louça e arrumar o seu
quarto.
Essas
duas atitudes são bem sedutoras: uma maneira de fazer, sem grandes esforços,
que os filhos façam aquilo que os pais consideram importante. Mas elas ensinam
o quê? Basicamente, ensinam aos mais novos o poder da barganha, do toma lá dá
cá, e como funciona uma transação comercial, de compra e venda. Se a filha quiser
usar a senha do wi-fi de casa, ela a compra arrumando seu quarto e lavando a
louça; se o filho quiser receber mesada plena, ele a compra deixando de ter
alguns comportamentos. É assim que funciona. E vamos lembrar que, como vivemos
na sociedade do consumo, essas lições são absorvidas rapidamente.
Já
na perspectiva educacional, atitudes desse tipo, que muitos pais adotam, são
deseducativas. Por quê? Porque ensinam o filho a obedecer apenas quando ele
quiser ou precisar. Pertencer a uma família acarreta direitos e deveres a todos
os seus integrantes. Na primeira infância, os filhos têm direitos, e os pais,
deveres. A partir dos sete anos, mais ou menos, eles começam a ter condições de
assumir pequenos deveres, como tarefas domésticas, por exemplo. Mas eles só as
cumprirão se forem levados a isso pelos adultos responsáveis.
A
partir da adolescência, eles têm plenas condições de arcar com a maioria de
seus deveres, se os pais não exagerarem. Ainda assim, precisam de tutela.
Muita
gente reclama que o Estatuto da Criança e do Adolescente cria a imagem de que
os mais novos têm apenas direitos. Mas somos nós que fazemos isso!
Crianças
e adolescentes precisam saber, na prática cotidiana do relacionamento familiar,
que pertencem àquela família e que têm deveres a cumprir com ela. Simples
assim! Mas isso nos parece tão complexo que temos precisado de planilhas e
barganhas, materiais e/ou emocionais, para ensinar isso a eles.
Rosely Sayão - psicóloga e consultora em educação, fala
sobre as principais dificuldades vividas pela família e pela escola no ato de
educar e dialoga sobre o dia a dia dessa relação.
Fonte: coluna FSP