A organização me ajuda na minha sobriedade
A desorganização é
um defeito que me prejudica; hoje vejo que a baderna foi um traço forte que
marcou meu alcoolismo
Eu sou bagunceira. Se tem um traço da minha
personalidade com o qual é difícil lidar é esse.
Difícil não só para mim, mas
sobretudo para os que me cercam. Não tem ninguém próximo que já não tenha
comentado: Alice, seria bom você se organizar melhor! Olha sua casa! Você não
guarda suas roupas?
E a pia, não consegue limpar logo depois do almoço? Meu
grande amigo Paulo me viu arrumando a mala uma vez (eu viajo bastante a
trabalho) e não se conteve: Olha o "jeito Alice" de arrumar a mala.
Tá, não estava um primor, mas eu achei super ok.
Será que não percebo a zona porque moro sozinha?
Tenho muita dificuldade em fazer uma coisa de cada vez. Consigo dar conta de
dez coisas ao mesmo tempo —fica uma pequena zona temporária, mas sei que
preciso finalizar tudo e só sossego com as coisas arrumadinhas (no diminutivo
mesmo, porque de fato é uma ordem minha: Marie Kondo teria um ataque diário na
minha casa). É um esforço enorme, porém necessário. E no final dá tudo certo.
Hoje, digo. Que estou sóbria desde de manhã e vou
continuar até a hora de encostar a cabeça no travesseiro. Imagina na ativa…
Sempre fui a bagunceira da classe, da casa, do
trabalho. Acredito que a desorganização esteja no topo da minha lista de
defeitos.
E com certeza é uma coisa que me prejudica. Hoje vejo que a baderna
foi um traço forte que marcou meu alcoolismo. Em um texto passado
falei do "estado de acampamento" da minha última
casa na ativa.
E até hoje, todos os dias, me empenho nesse exercício de
mudança. Porque estar em recuperação requer disciplina. Se tem algum esforço
que faço todos os dias num grau elevado é me organizar.
Uma vez estive em um lugar cujo fuso horário é
adiantado em relação ao Brasil, e isso é uma vantagem, ou seja, disponho de
algumas horinhas em que 99% das pessoas e dos encargos da minha vida estão
dormindo.
Então é como se eu tivesse esse tempo só para fazer as coisas com
calma, sem que o WhatsApp começasse a bombar com mensagens fofas de bom dia que
eu quero responder mas nem sempre consigo com a dedicação que gostaria.
Porque
cada um tem um jeito. O pai que é mais religioso e manda bênção toda a manhã, a
tia que manda um vídeo de sete minutos…
Perder seeete minutos com um filminho
de sol nascendo e música de autoajuda já é demais. Gosto, sim, de dar atenção
às pessoas que amo, mas tudo tem um limite.
Nos momentos de viagens como aquelas, em que o fuso
está a meu favor, vejo a vida alheia correr lá fora, com os minutos contados, e
eu com essa vantagem do meu mundo ainda estar dormindo.
Engraçado é que, quando
na ativa, isso era horrível porque eu não conseguia viver no silêncio.
Precisava de um monte de gente perto falando, rindo, me mostrando a vida. Não
sabia lidar sozinha com quase nada.
A vida adulta com sobriedade me deu essa sabedoria
de conseguir aproveitar o tempo em solitude —é essa palavra, né?
Porque consigo
enxergar paz em mim. Com o álcool, eu estava sempre ocupada querendo saber se
tava tudo certo com meu corpo ou procurando formas urgentes de pedir para os
outros me acalmarem. Triste, isso.
Porque eu era duas pessoas. A que precisava
urgentemente de uma companhia e a que ficava zoando ou apagada no bar, nas
calçadas, na vida, esquecendo da companhia que me acudia…
Eu me alcoolizava para poder viver, dar
risada etc., e tudo isso era falso e machucava as pessoas que sabiam da minha
dor existencial. Eu esquecia de todos que me davam o real conforto.
E muitos
dos que não tinham tempo nem saco nem sensibilidade para ver que aquela alegria
histérica era sinal de doença se afastaram MESMO.
Eu entendo e perdoo todos eles. E sobretudo me
perdoo. Lamento as situações que eu perdi, os momentos que não vivi e os planos
que deixei enroscados enquanto tentava me curar com o álcool, mas me perdoo.
A Tuca me ajuda muito nesse processo de
amadurecimento. Porque vivemos situações de trabalho, somos íntimas e nos
amamos muito. Acontece que ela é supercertinha e eu sou o oposto.
Daí, às
vezes, rola uma mágoa aqui, outra ali. Mas guardo com carinho o que sempre me
lembra outra amiga que me ajudou a levar para frente este blog, em uma viagem
para a América Latina que fizemos o ano passado: Alice, sua essência nunca
mudou.
Lembro que algumas vezes você me abandonou, me deu um perdido, mas você
sempre voltava com a alma cheia de vida e de mágoa. Estava tudo ali.
Foi isso, era isso. Não adianta tentar arrumar meu
passado nem insistir em aprender um método infalível de organização. Não
funciona para mim e tudo bem.
Em tempo: Paulo, aquela foi a melhor mala que fiz
nos últimos tempos. Você, que não me conheceu na ativa, não sabe do que já fui
capaz de enfiar em uma mala… Hoje dou risada, mas nada foi fácil com o álcool.
ALICE S. – blog Vida de
Alcólatra