“Às
favas a decrepitude que nos atribuem; não temos de provar nada a ninguém”,
argumenta o professor de português Pasquale Cipro Neto
Estou
mais para 61 do que para 60. O que será que passei a ser em 14 de junho de
2015? Deixem-me pensar um pouco. Vou buscar respostas no entorno, no meu
entorno brasileiro. Começo pelo desenho que se vê nos cartazes que indicam o
lugar em que devem ficar as pessoas que têm as “prioridades legais”. A julgar
pelo que se vê nesses cartazes, sou um giboso e me apoio numa bengala.
Uma
perguntinha: não havia uma imagem mais imbecil do que essa para caracterizar os
que já chegaram aos 60? Melhor desistir dela.
Deixem-me
tentar outra coisa, outro conceito. Já sei. Talvez os gênios da ANAC (Agência
Nacional de Aviação Civil) tenham uma boa definição para o que sou há alguns
meses. Sabe por que citei a gloriosa ANAC? Porque, para os seus doutos
gestores, sou um deficiente físico, mental etc.
Os
sagazes e zelosos comandantes da ANAC não permitem que gente da minha idade
ocupe um assento nas saídas de emergência dos nossos aviões. O motivo?
Certamente somos incapazes de operar a janela em caso de necessidade. Não tenho
força hercúlea, mas, quando me dá na veneta, caminho 10 km ou mais, ando horas
a fio, sobretudo quando estou fora do país, em cidades muito mais seguras do
que as nossas… Faço palestras de três horas, em pé, mas não consigo abrir a
saída de emergência de um avião…
Então,
tá. Noves fora, sou idadoso, ou melhor, idoso mesmo. Seria idadoso, não fosse
um belo fato linguístico de nome talvez não tão belo: haplologia. Hum!
Haplologia? Que será isso? É apenas a supressão ou contração de elementos
similares contíguos de uma palavra. O resultado de “caridade” + “-oso” não é
“caridadoso”; é (por haplologia) “caridoso”. O resultado de “idade” + “-oso”
não é “idadoso”; é “idoso” (também por haplologia).
Como se
sabe, o sufixo “-oso” indica abundância. É possível ser idoso e fogoso,
gostoso, saboroso… Por falar em saboroso, a raiz latina de “sabor” e de “saber”
é a mesma. Não é por acaso que “insipiente” é aquele que não sabe e “insípido”
é aquilo que não tem sabor…
Pensando
bem, acho melhor não me importar com os infelizes que perpetraram o giboso
bengalento, nem com os argutos senhores da ANAC ou com quem quer que seja que
nos dê por moribundos. Às favas a decrepitude que nos atribuem. Não temos de
provar nada a ninguém. O melhor a fazer é degustar o legado da maturidade e
oferecê-lo a quem o quiser sorver. E que delícia ver os netos a sorver esse
legado! Que maravilha ser avô!
Fico
com o genial Nelson Rodrigues. No fim de uma entrevista, perguntaram-lhe que
mensagem ele transmitiria aos jovens. A resposta veio como um raio:
“Envelheçam!”.
E fico
também com o que diz o grande Caetano Veloso na memorável “O Homem Velho”, que
ele compôs quando tinha 42 anos: “O grande espelho que é o mundo ousaria
refletir os seus sinais / O homem velho é o rei dos animais / (…) / As coisas migram
e ele serve de farol / (…) / …ele dói e brilha único, indivíduo, maravilha sem
igual / Já tem coragem de saber que é imortal”. É isso.
PASQUALE
CIPRO NETO - professor de português, idealizador dos programas “Nossa
Língua Portuguesa” e “Letra e Música” autor de várias obras didáticas e
paradidáticas e colaborador do jornal FSP.
Fonte: Projeto Movimento Realidade