“Quase
sem perceber, adentramos um mundo onde nossa forma de ver a notícia não é
ditada pelo que está na banca de jornal ou mesmo nos primeiros noticiários da
manhã, mas pelo que vemos em nossos celulares através de outro filtro, cada vez
mais através do Facebook”. A avaliação é da jornalista britânica Emily Bell,
diretora do Centro TOW de Jornalismo Digital da Universidade de Columbia, em artigo no Guardian intitulado “Qual a relação correta
entre as empresas de tecnologia e o jornalismo?”.
De fato, o número de pessoas
que consomem notícias a partir das redes sociais aumentou bastante nos últimos
anos. Em 2011, uma pesquisa do Pew Research Center constatou que apenas 11% dos
norte-americanos se descreviam como consumidores de notícias em sites como
Facebook ou Twitter. Já em 2014, 30% relataram receber as notícias
principalmente pelo Facebook. Uma taxa de migração surpreendentemente veloz em
apenas dois anos.
Poucos
dias antes de seu artigo no Guardian, Emily havia
apresentado aquele que pode ser o discurso mais definitivo sobre o futuro do
jornalismo. Durante o Fórum Mundial de Editores, realizado em novembro no
Instituto Reuters, em Oxford, ela desafiou jornalistas e editores a conferir
poder às empresas de tecnologia, prestando contas publicamente e assumindo a
liderança em inovação tecnológica no nicho de notícias para ajudar a formar uma
“nova esfera pública”.
Ela reiterou em seu discurso
que, embora as culturas de engenharia e jornalismo sejam muito diferentes
– não buscam os mesmos resultados, não compartilham das mesmas motivações,
nem das mesmas habilidades, e certamente nem do mesmo crescimento de receita e
modelos –, hoje elas ocupam o mesmo espaço em termos de transmissão de notícias
e discussão para um público amplo.
A
tecnologia molda o noticiário
Emily
observou que a própria discussão das notícias costuma se ater às redes sociais.
O site de notícias de tecnologia Re/Code, por
exemplo, já anunciou que iria parar de hospedar comentários em suas páginas,
pois os comentários sobre as reportagens já estavam ocorrendo nas mídias
sociais.
A jornalista então questiona:
por que as empresas de mídia foram totalmente incapazes de criar plataformas
sociais bem-sucedidas nos últimos 20 anos? Ela justifica que a ideia da
publicação generalizada é uma espécie de maldição para a maioria das empresas
de notícias. Os editores – os funcionários mais bem pagos e mais reverenciados
do ramo – têm como função exatamente negar as partes ou a totalidade de uma
ideia. E a própria ideia de construir deliberadamente algo onde qualquer um
poderia publicar sua opinião sempre soou como assustadora e destruidora do
jornalismo. Mas agora não há mais como recuar.
“A linguagem das notícias
atualmente é moldada por protocolos de engenharia, e não por normas de
redações. Se existe uma imprensa livre, os jornalistas já não estão no comando
dela”, declarou Emily.
Ela diz que, agora, o foco
muda, e o que vemos são redes sociais se perguntando como podem gerenciar o
ramo de edição da melhor forma possível. “A resposta, claro, não está em
reuniões contemplativas onde todos concordam com o chefe, mas na construção de
um algoritmo que vai decidir ‘sobre suas preferências’ e fazer uma triagem das
notícias e comentários que você deve ver”.
Ela ainda lembrou que
plataformas de mídias sociais não têm qualquer interesse no negócio “complicado
e caro” que é empregar jornalistas reais ou que tomam “decisões editoriais”.
Mas declarou que, embora as soluções de triagem editorial do Vale do Silício
possam ser consideradas melhores, mais fáceis e mais acessíveis, elas ainda são
muito opacas, centralizadas e desregulamentadas para serem consideradas
totalmente aceitáveis.
Emily
demonstrou grande preocupação com a forma como as notícias são selecionadas nas
redes sociais, principalmente no Facebook (e citou o estudo no qual o Facebook manipulou as emoções de seususuários a fim de
avaliar se mídias sociais geram algum tipo de “contágio emocional”). “O público
em geral tem sido relativamente ignorante de como tais plataformas sociais íntimas
podem estar sendo usadas”, alertou.
Propostas
e soluções
Emily propõe que jornalistas
e editores aprendam códigos de programação, e aprendam sobre o pensamento
programático, para que assim sejam capazes de compreender o mundo no qual
operam. Além disso, diz que executivos do ramo de notícias devem convocar
fóruns sérios sobre arquivamento, moderação, exclusão, censura e envio de
informações a respeito de seus usuários para as autoridades.
Surpreendentemente, a
jornalista também revelou-se adepta da intervenção do presidente Barack Obama
em favor da neutralidade da internet. Por fim, ela falou sobre a importância de
cobrir a tecnologia como uma questão política e de direitos humanos, como se
fôssemos o Parlamento, parando de fazer notícias sobre “as filas para se
comprar um iPhone” e escrevendo mais sobre sua relação com o poder e a
sociedade.
E concluiu: “Não creio que
seja viável para o jornalismo ter um relacionamento completamente contraditório
com as empresas de tecnologia, mas também creio que é absolutamente imperativo
que exista uma esfera pública, da qual o jornalismo faça parte, que não seja
totalmente dependente delas.”
Tradução: Fernanda Lizardo, edição de Leticia Nunes. Com informações de Emily Bell [“What’s the rightrelationship between technology companies and journalism?”, The Guardian, 23/11/14]e de Julie Posetti [“Emily Bell's seminalspeech on the relationship between journalism and technology: It's time to makeup or break up”,
World News Publishing Focus by WAN-IFRA, 26/11/14]
Fonte: site Observatório da Imprensa