A
adolescência é um processo, e não há como definir quando exatamente o cérebro
vira adulto.
Participei
recentemente, na qualidade de neurocientista, de um debate com um delegado, um
promotor, uma defensora dos direitos humanos e um pai cuja filha adolescente
foi assassinada por outro adolescente. O tema? Se a maioridade penal deveria
ser reduzida de 18 anos para, por exemplo, 16.
Supostamente,
éramos especialistas de opiniões divergentes: três a favor, dois contra a
redução. Ao longo do debate, no entanto, chegamos à conclusão de que éramos
todos a favor das mesmas coisas: a punição de assassinos independentemente da
idade, e o fim da atual tabula rasa concedida a menores delinquentes ao
completarem 18 anos.
Para
a neurociência, é fantasia supor que, ao completar um certo número de anos de
vida, o cérebro, literalmente da noite para o dia, se torne capaz de raciocínio
consequente, e portanto criminalmente imputável --e ainda esqueça todo o mal
causado anteriormente.
A
adolescência é um processo de transformações biológicas guiadas pela
experiência. Por ser um processo, e não um evento com data marcada, não há como
definir quando exatamente o cérebro vira adulto.
A
capacidade de raciocínio abstrato, por exemplo, já está bem estabelecida aos
13-14 anos; o raciocínio consequente, base da imputabilidade, termina de
amadurecer lá pelos 16-18. Mas a mielinização das conexões pré-frontais, por
exemplo, o que permite decisões sensatas e maduras, só termina lá pelos 30 anos
de idade. Qualquer idade, portanto, é arbitrária para marcar o fim da
adolescência: a neurociência não fornece um "número mágico" que
sustente a maioridade penal aos 16, aos 18 anos ou em qualquer outra idade.
E
lançar ex-menores infratores de volta à sociedade com ficha limpa e
"sem" antecedentes criminais, mesmo que tenham matado, esfolado e trucidado,
é fantasia que beira o delírio. A qualquer idade, e ao longo de toda a vida, o
cérebro é a soma cumulativa da sua biologia e de todas as experiências vividas.
A borracha que o sistema judiciário passa atualmente nos ex-menores infratores
infelizmente não se aplica ao cérebro. Não se recomeça do zero, mas é possível
ter uma segunda chance, sim --sempre por cima de tudo o que aconteceu antes.
O
consenso, portanto, foi que consultar o público sobre reduzir a maioridade
penal é fazer a pergunta errada --pois não há resposta certa, nem ela resolve o
que de fato se busca: um sistema mais justo de punição, prevenção e proteção.
suzanahh@gmail.com
Suzana Herculano-Houzel - neurocientista, professora da
UFRJ e autora do livro "Pílulas de Neurociência para uma Vida Melhor"
(ed. Sextante)
Fonte:
blog www.suzanaherculanohouzel.com