Fake news e ciberataques se fundiram
MP
que acabou derrubada queria impedir a proteção às democracias.
No dia 6, foi editada uma medida provisória com o
objetivo de limitar o poder das grandes redes sociais de “moderar” conteúdo (MP
1.068).
Essa MP quis padronizar os termos de serviços dessas
redes, um padrão único por lei.
O resultado não poderia ser diferente: tanto o
Supremo quanto o Congresso rejeitaram a MP em sincronia.
O
primeiro suspendeu sua eficácia. O segundo devolveu a MP.
Ambos por meio de
decisões bem fundamentadas da ministra Rosa Weber e do presidente do Congresso,
Rodrigo Pacheco.
Uma regulação como essa jamais seria aceitável em
um país como os EUA.
A primeira emenda da Constituição americana aplica-se
apenas ao poder público.
Uma proposta como essa seria vista como afronta ao
princípio da liberdade privada e econômica e à livre iniciativa (presentes
também na Constituição brasileira).
No entanto, a discussão dessa MP não passa de distracionismo.
O objetivo da MP era outro. Seu texto quis passar a mensagem de que as fake
news são um problema de liberdade individual. Sua premissa seria que são
indivíduos (ou “cidadãos de bem”) que criam e espalham informações falsas.
Nada mais
incorreto. A questão das fake news não é individual, mas industrial. Fake news
é indústria lucrativa, bem organizada e bem financiada, com comando e controle,
funcionários e prestadores de serviço de várias naturezas, incluindo redatores,
programadores, agitadores e gestores de redes de robôs e perfis falsos.
Tem
gente que é parte dessa indústria por razões políticas. Outras fazem parte dela
por dinheiro mesmo.
Tanto que o termo “fake news” é em si enganoso.
O mais correto
seria “comportamento inautêntico coordenado”. Esse termo denota a
característica de organização coordenada.
A MP que se tentou editar nada tem a ver com proteger “cidadãos
de bem”. Tem a ver com proteger essas redes coordenadas.
Seu alvo era impedir
que as redes sociais pudessem investigar e derrubar as organizações industriais
que produzem fake news.
Isso já está acontecendo. Na semana passada, o Facebook anunciou
que vai intensificar o combate a redes coordenadas, analisando padrões e
táticas sofisticadas de espalhamento de desinformação.
Por exemplo, vai usar
ferramentas de investigação de ciberataques para mapear também as redes de fake
news.
Isso faz todo sentido. Nos últimos anos, tem havido uma fusão
entre a questão das fake news e da cibersegurança.
Muitas redes políticas de
espalhamento de fake news começaram a ver seu impacto reduzido. Tanto por
medidas tomadas pelas redes sociais quanto pelo Judiciário.
Com isso, mudaram
sua forma de atuação. Passaram a realizar também ciberataques contra
instituições públicas, como forma de dar seguimento e até aprofundar seus
objetivos de desestabilização.
Essa fusão entre ciberataques e fake news tem um nome:
Desinformação Adversarial, Táticas e Técnicas de Influência (Datti).
É isso que
precisa ser combatido para proteger as democracias. E é isso que a MP 1.068 (e
qualquer texto similar a ela) queria impedir.
RONALDO LEMOS - advogado, diretor
do Instituto de Tecnologia e Sociedade do Rio de Janeiro.