Seja subversiva: estude


Estudar é libertador e nos abre portas, dá passagem para ir e vir, de ficar quando queremos e não porque somos obrigadas.

 

Pelo discurso de um certo pastor estou em apuros. Estamos todas. Edir Macedo diz que não deixou as filhas fazerem faculdade porque não foram criadas para servir a si mesmas, mas a Deus. Disse mais, que se a filha virasse “doutora” e conhecesse um sujeito com “conhecimento baixo”, ela seria a “cabeça” da relação.

Imagine, que horror, ser a mulher-alpha, a dona do próprio nariz, a manda-chuva da história, quando você pode apenas dizer, “sim, meu marido”. Parece 1930, mas foi esta semana.

Devo ser muito egoísta. E meus progenitores não passam de irresponsáveis que me criaram para que eu fosse a única a mandar em mim mesma. Meu pai, por exemplo, olha que doido, sempre me disse: nunca dependa de ninguém.

Talvez por isso sempre paguei meus boletos, meu aluguel, minhas passagens aéreas, minhas “brusinhas”. Mato no peito as lâmpadas queimadas, os pneus furados (até que o seguro passou a oferecer esses serviços), além de manejar com destreza invejável a furadeira e a caixa de ferramentas.


Da série "mulheres bem-sucedidas" -

 

Um dia ainda alcanço a soberania do que para mim é a independência feminina, que inclui matar baratas e abrir o vidro de palmito sem depender de macho. Ficarei insuportável.

Voltando ao Edir. Olha, eu estudei. Estudei bastante. E as mulheres estudam, e estudam mais do que os homens, para o desespero da turma do Edir. Enfiamos a cara nos livros. Somos enxeridas. Tudo para que a gente possa ser cabeça, braços, tronco, mãos, coração e alma das nossas vidas. Por isso a gente lê, se informa, pergunta, contesta, se revolta, quebra regras, faz as nossas próprias. Mulherada subversiva.

A gente estuda porque durante muito tempo não pudemos. Porque ainda tem um monte de menina lá fora que não pode, que leva tiro na cabeça porque tem um livro na mão. Porque quer aprender a ler, a escrever, a questionar, a se rebelar e finalmente ser livre.

Estudar nos liberta. Nos livra das nossas amarras familiares, patriarcais, sentimentais, morais. Ao conhecer melhor o mundo e a nós mesmas, saímos de casa, mudamos de bairro, de cidade, de país.

Passamos a nos perceber como protagonistas de nossas vidas, de nossas lutas e nossas decisões. Não aceitamos tutela de pai, marido, namorado, chefe. A gente cai, se esfola toda, se levanta e vai em frente.

Encontramos na vida os desafios para muitas das perguntas que os livros nos trazem. Passamos a questionar nossas atitudes e o mundo em que vivemos.

Entendemos, assim, que nosso corpo, nossas regras. Nossa vida, nossas responsabilidades e nosso comprometimento de ser feliz do jeito que dá, mas do nosso jeito. Nossas frustrações num dia, nossas vitórias no outro. Só nossas.

Estudar nos abre portas, nos dá passagem para ir e vir, de ficar quando queremos e não porque somos obrigadas.

Ser independente é trabalhoso, requer um monte de dedicação, de suor, de lágrimas. Nem sempre é fácil.

Mas só vou dizer mais uma coisa: credo, que delícia. Então, Edir, é o seguinte, vai ter mulher na escola, na universidade, nos cursos de pós-graduação, no mercado de trabalho. E se reclamar, a gente dobra a meta. Porque é preferível ir para o inferno, se é que existe um, a viver na sombra de qualquer pessoa.

 

Mariliz Pereira Jorge - jornalista e roteirista de TV.

Fonte: artigo jornal FSP

 


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