Voluntários que, enquanto dormiam, inalavam
aroma de peixe podre após o do cigarro começaram a fumar menos.
"Aprender
dormindo" parece uma possibilidade tão atraente quanto "perder peso
comendo": ambas prometem benefícios alcançados sem esforço. Não à toa,
muita besteira já foi dita, prometida e sobretudo vendida fazendo mau uso do
santo nome da ciência, como as gravações em línguas estrangeiras para
"ouvir" durante a noite.
Mas
eis que surge algo que de fato se aprende enquanto inconsciente –e, de fato, só
neste estado. A descoberta vem do grupo de Noam Sobel, pesquisador do Instituto
Weizmann em Israel, um dos neurocientistas que gosto de acompanhar.
Sobel
já apareceu nestas colunas: foi ele quem convenceu universitários a acompanhar
pelo olfato um rastro de chocolate engatinhando de olhos vendados na grama,
mostrando que nós humanos conseguimos, sim, fazer algo que achávamos ser
prerrogativa de quadrúpedes.
Ele
e sua equipe se valeram de uma particularidade do olfato: este sentido tem
acesso direto ao córtex cerebral, sem precisar passar pelo tálamo primeiro, e
provavelmente por isso continua funcionando durante o sono, mas sem acordar
quem dorme (enquanto outros estímulos podem sacudir o tálamo de seu torpor).
Sobel
queria saber se essa particularidade torna o cérebro capaz de aprender
inconscientemente, por condicionamento clássico, como o cachorro de Pavlov que
passava a salivar ao ouvir um sino que prenunciava comida. Os voluntários
humanos de Sobel eram fumantes de longa data, e passaram a semana anterior ao
experimento contando quantos cigarros fumavam. No experimento, realizado
durante o sono, os pesquisadores faziam os voluntários, adormecidos, inalar
"aroma de cigarro" seguido ou não, na inspiração seguinte, de
"aroma de peixe podre".
Mesmo
adormecido, o cérebro registrou a associação: no dia seguinte, os voluntários
do grupo experimental, e só eles, fumaram de 30% a 40% menos cigarros –redução
que foi passando ao longo da semana.
Curiosamente,
o efeito não pode ser atribuído a uma recém-adquirida aversão ao cheiro do
cigarro, pois a percepção consciente não mudou. A nova associação entre cheiro
de cigarro e peixe podre deixa suas marcas nos recônditos do cérebro, sem acesso
à consciência.
O
curioso é que não-fumantes não precisam de nada disso: para nós, cigarros já
tem cheiro de... cigarro, o que é ruim o suficiente. Ah, o que o vício não faz
com o cérebro.
Suzana Herculano-Houzel - neurocientista, professora da UFRJ, autora
do livro "Pílulas de Neurociência para uma Vida Melhor" (ed.
Sextante)
Fonte:
blog www.suzanaherculanohouzel.com