A doença contagiosa dos etaristas, negacionistas e haters da internet


A doença contagiosa dos etaristas, negacionistas e haters da internet

Aos 80 anos, Chico Buarque ensina a dar risadas dos odiadores de plantão

Uma amiga querida, uma psicóloga de 67 anos, me contou que não está aguentando mais o desrespeito, o etarismo e a violência dentro da própria família.

"Parece que as pessoas esqueceram que sofremos com uma pandemia que matou mais de 700 mil brasileiros, além das inúmeras sequelas físicas e psicológicas que provocou. 

Eu perdi meu pai e meu melhor amigo pela Covid, meu marido teve um AVC e um princípio de infarto e minha mãe, de 93 anos, teve pneumonia e ficou internada durante duas semanas. Sofri demais com a doença da minha mãe, fiquei deprimida com a possibilidade de perdê-la, mas ela conseguiu se recuperar."

Ela acreditava que, depois da pandemia, as pessoas iriam ser mais respeitosas, generosas e cuidadosas com as pessoas mais velhas, mas, infelizmente, o desrespeito e a violência física, verbal e psicológica pioraram muito.

"Nos últimos anos, os etaristas, os negacionistas e os odiadores de plantão saíram do armário onde estavam escondidos."

Ela revelou que foi a única da família —ela tem três irmãos e quatro irmãs— que tomou todas as doses da vacina contra Covid e que usou máscara durante toda a pandemia.

"Não consigo entender como tanta gente que está com gripe, resfriado e até mesmo com Covid não usa máscara nem cobre a boca e o nariz quando tosse e espirra. 

É tanto descaso, desrespeito e maldade, dentro das nossas próprias casas e famílias, que não sei mais o que fazer. 

Se peço para terem mais cuidado, eles ficam ofendidos, dizem que estou exagerando e que a pandemia já acabou há muito tempo. 

E ainda debocham de mim, me xingam de velha hipocondríaca, paranoica, neurótica, histérica, psíquica."

No dia 10 de agosto, estava muito frio e chovia no Rio de Janeiro.

"Apesar do tempo horroroso, minha irmã mais velha insistiu em fazer um almoço de aniversário para a minha mãe, só para a família. 

Quando cheguei à casa dela, com a minha mãe que está morando comigo, vi que meu cunhado tossia muito. 

Achei um absurdo minha irmã não ter cancelado o almoço e não ter avisado que o marido estava doente."

Ela então pediu para o cunhado ter cuidado para não tossir perto dos outros, especialmente perto da aniversariante, de 93 anos.

"Mirian, você não imagina o massacre que sofri. Eu não falei nada de política, só pedi para ele ter mais cuidado e não ficar tossindo perto da minha mãe. 

Foi um horror, acabou a festa. Ele gritou na frente de todo mundo que sou uma velha feminista, esquerdista, ridícula e mal-amada."

Ela ficou chocada quando soube que o cunhado não tomou nenhuma dose da vacina contra a Covid.

"O pior é que meu irmão mais velho concordou com meu cunhado. Disse que sou uma velha gagá, que apoio um governo de comunistas e me mandou morar na Venezuela. 

Fiquei com tanto medo que decidi que não vou mais falar nada, ele que continue tossindo e espirrando em todo mundo. 

Não vou gastar mais minha saliva, meu tempo, saúde e energia com gente doente que parece ter um prazer sádico em adoecer os outros."

Dias depois, minha amiga me enviou um vídeo do Chico Buarque dando muitas gargalhadas ao contar as ofensas que recebeu dos haters da internet. 

"Esse velho! O que o álcool faz com uma pessoa. O que esse velho está fazendo aí?"

"Porque o artista geralmente acha que é muito amado, porque ele anda nas ruas ‘bom dia, bom dia’, cheio de carinho. E faz o show e é aplaudido. 

E ele entra na internet e é odiado. A primeira vez que eu li uma notícia e vi os comentários: ‘Esse velho! O que o álcool faz com uma pessoa’. É uma injustiça porque eu já nem bebo mais. ‘O que esse velho tá fazendo ai?’. Você vai fazer o quê? 

As pessoas têm uma raiva, existe uma raiva, mas você não vai ficar com raiva de quem tem raiva. Então deixa pra lá... Não pode ficar triste com isso, nem morrer... Se morrer é pior. ‘Já morreu tarde, já vai tarde’."

Minha amiga, para manter a saúde física e mental, adotou como mantra o pensamento de Nietzsche: "Aquilo que não me mata me fortalece". 

Apesar de não ter coragem de mandar o vídeo do Chico para o grupo da família no WhatsApp, pois sabe que será xingada de velha gagá, está pensando em enviar um áudio dele cantando: "Apesar de você, amanhã há de ser outro dia... Quando chegar o momento, esse meu sofrimento vou cobrar com juros, juro...

Você que inventou a tristeza, ora tenha a fineza de desinventar. Você vai pagar é dobrado cada lágrima rolada nesse meu penar... E eu vou morrer de rir que esse dia há de vir antes do que você pensa".

MIRIAM GOLDENBERG - antropóloga e professora da Universidade Federal do Rio de Janeiro, é autora de "A Invenção de uma Bela Velhice"

 

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