Brasileiro em Yale faz cérebro de roedor ligar e desligar 'estado de fúria'


Lá nos cafundós do cérebro existe uma estrutura que, quando acionada, transforma camundongos dóceis e tímidos em máquinas de matar, capazes de atacar até mesmo um brinquedo de plástico só porque ele passou pela frente na hora errada. A estrutura se chama amígdala (não, não é a da garganta, que agora se chama tonsila, para evitar confusão), o pesquisador que demonstrou essa função é brasileiro, e, embora soe horrível, ser capaz de matar coisas que se mexem e tem o cheiro certo está entre as funções mais importantes do cérebro de um animal não vegetariano.

Ivan de Araújo, há anos pesquisador na Universidade Yale, nos EUA, estuda vários aspectos da alimentação, dos sabores à ingestão de calorias e o prazer que elas dão. Muito desses comportamentos envolvem o hipotálamo, uma estrutura profunda do cérebro, e sua vizinha, a amígdala.

Foi graças a uma nova tecnologia chamada optogenética, tão complexa e cara quanto ela é poderosa, que a equipe de Ivan de Araújo pôde manipular a amígdala e descobrir que ela aciona os circuitos que promovem o bote sobre comida que ainda se mexe –e como isso acontece. A técnica consiste em injetar no cérebro um vírus com um gene que codifica uma proteína que, quando iluminada por luz azul, abre uma passagem na membrana dos neurônios infectados que os ativa, fazendo com que eles ativem os neurônios seguintes no circuito, e só eles. Ou seja: é uma maneira de ligar e desligar, sob medida, uma estrutura do cérebro, e somente ela –e ver o que acontece.

Para garantir que somente os neurônios certos serão acionados, a injeção é feita em camundongos transgênicos, criados a partir de embriões que tiveram inserido em seu genoma o código de uma enzima que somente será fabricada em um determinado tipo de neurônio, e que permite que o vírus injetado mais tarde entregue sua carga preciosa: a proteína que responde à luz azul. Feito isso, ainda é preciso iluminar os cafundós do cérebro sob demanda, o que envolve a inserção cirúrgica de uma fibra óptica que leva laser azul à estrutura.

Mas, feito isso tudo, os vídeos são impressionantes. Com a luz desligada, o camundongo foge, como que incomodado, de um "bichinho" de plástico azul e amarelo que passeia a esmo ao seu redor. Assim que a luz azul ativa a amígdala, no entanto, o camundongo dá o bote –se a "comida" estiver em seu campo de visão. Sem tal fúria de caçador, normalmente controlada pelo próprio cérebro e não por um pesquisador, animais não viveriam muito tempo.

É o tipo de trabalho fundamental que pesquisadores brasileiros infelizmente só podem sonhar fazer no estrangeiro, onde há financiamento sério para pesquisa de qualidade. Felizmente, Ivan está lá.

Suzana Herculano-Houzel - neurocientista, professora da UFRJ, autora do livro "Pílulas de Neurociência para uma Vida Melhor" (ed. Sextante)

Fonte: www.suzanaherculanohouzel.com

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