As empresas de
jornalismo estão perdendo o controle do que é notícia. O domínio de empresas de
tecnologia na produção e distribuição de conteúdo informativo e opinativo está
criando uma nova esfera pública, cujos controladores não estão especialmente
preocupados com transparência e ética.
Esse é o tema de publicações recentes sobre a maneira como a
mídia tradicional ajuda, por omissão, a consolidar no mundo contemporâneo o
poder quase absoluto dos tecnólogos que inundam o planeta com uma enxurrada
ininterrupta de aplicativos cujas possibilidades as pessoas desconhecem. Uma
das análises mais interessantes é feita por Emily Bell, diretora do Centro Tow
de Jornalismo Digital, instituto de pesquisas da Escola de Jornalismo da
Universidade Columbia, e foi considerada pelo Fórum Mundial de Editores como o
mais importante texto sobre o futuro do jornalismo divulgado neste ano (ver aqui, em inglês, a versão editada para o
Instituto Reuters, de Oxford, publicada na terça-feira, 2/12). Sua principal
qualidade está em marcar o esvaziamento do poder do jornalismo em definir sua
própria natureza.
Emily Bell observa que
as principais decisões que impactam o espaço público da comunicação estão sendo
tomadas por engenheiros que raramente pensam em jornalismo, em impacto social
da informação ou na responsabilidade sobre como notícias são geradas e
disseminadas. “Jornalismo e liberdade de expressão se agregaram como parte de
uma esfera comercial onde as atividades de notícias e jornalismo se tornaram
marginais”, alerta a pesquisadora.
Apontada como responsável pelo renascimento do grupo britânico Guardian, do qual foi diretora
de conteúdo digital, ela lembra também que nenhuma das principais iniciativas
tecnológicas que dominam o serviço de relacionamentos e interações entre
pessoas foi criado ou pertence a empresas jornalísticas.
Como as plataformas de
mediação social não estão interessadas em contratar jornalistas ou criar
estruturas para a tomada de “decisões editoriais”, atividade altamente complexa
e custosa – conclui –, o espaço público fica à mercê dos interesses do mercado
de tecnologia.
Onde mora o perigo
Emily Bell comenta que
o Facebook usa um conjunto de complicadas fórmulas para decidir como as
notícias vão para o alto das páginas pessoais dos usuários; esses mecanismos
não apenas determinam o que o indivíduo vai ver, mas também definem, pela
constância do uso, o modelo de negócio das plataformas sociais. Esses
algoritmos são secretos, não são alcançados pelas regulações que asseguram as
liberdades básicas inerentes ao direito à livre informação e à privacidade e,
pior, podem ser alterados sem aviso prévio.
A diretora do Centro Tow lembra que nenhuma outra plataforma na
história do jornalismo criou tal concentração de poder, o que faz do jovem
Gregory Marra um dos mais poderosos executivos do mundo. Ele é diretor de
produto do sistema de notícias do Facebook e tem apenas 26 anos de idade.
Recentemente, Marra repetiu no New
York Times o refrão dos
tecnólogos segundo o qual a tecnologia é neutra, porque não faz julgamento
editorial sobre o conteúdo postado nas redes sociais. Pois é justamente aí que
mora o perigo, diz Emily Bell.
Ainda que os
engenheiros acreditem que não estão tomando decisões editoriais, é isso que
fazem suas fórmulas matemáticas. Por exemplo, ela lembra, em junho deste ano
pesquisadores registraram que o Facebook manipulou as fontes de notícias de 700
mil usuários para observar como diferentes tipos de informação poderiam afetar
o humor das pessoas. A resposta: boas notícias deixas as pessoas mais felizes.
A questão dos pesquisadores: como o Facebook ousa brincar, literalmente, com as
emoções das pessoas?
Em 2010, a rede social
fez outra experiência, para verificar como a inserção de notícias sobre eleição
estimula pessoas a votar no sistema americano de voto facultativo. Um professor
de Harvard pondera que o mesmo recurso pode convencer milhões de eleitores, por
exemplo, a escolher determinado candidato.
Emily Bell conclui o
artigo alertando que o Facebook não tem obrigação de revelar como manipula o
sistema de notícias. Ela afirma também que a imprensa tradicional deveria parar
de se deslumbrar com as filas para comprar o novo iPhone e olhar mais para a
tecnologia como um novo sistema de poder sem controle social.
Luciano Martins Costa - Jornalista e escritor,
autor, é produtor e apresentador do programa Observatório da Imprensa.
Fonte: site Observatório da Imprensa