Duas conversas que tive com
mães podem nos ajudar a entender melhor o significado de "adaptação
escolar" tanto para as famílias quanto para as escolas.
A primeira mãe estava
exultante. Seu filho, de dois anos, foi levado pela primeira vez à escola que
ela escolheu, em que quase todo o espaço que a criança iria frequentar é
monitorado por câmeras ligadas à internet, com o objetivo de oferecer livre
acesso aos pais, a qualquer momento, à vida do filho dentro da escola.
Muitos pais dizem querer que o
filho vá para a escola desde a mais tenra idade para estar com outras crianças,
para entrar no processo de conquista de autonomia, para aprender coisas
diferentes daquelas que aprende em casa e para estabelecer relações com pessoas
sem vínculo com a família. Todas essas intenções são ótimas -são as chamadas
boas intenções. Mas como tudo isso pode acontecer em meio a esse "big
brother" escolar e o que ele significa? Vamos levantar duas
possibilidades. A primeira delas é que os pais não abrem mão de saber tudo
-tudo mesmo!- da vida dos filhos, mesmo quando estão longe deles. Isso pode
significar a mais concreta expressão da posse dos filhos e a vontade de
controlar a vida deles. Mas veja bem, caro leitor, cuidar NÃO é controlar!
A segunda possibilidade é a de
que os pais não conseguem delegar para a escola a educação escolar de seu
filho, e isso significa que não confiam na instituição.
Para os estudantes maiores, que
já frequentam o ensino fundamental e até mesmo o médio, a agenda escolar
funciona como a câmera dos menores para os pais: é pela agenda que eles ficam
sabendo o que ocorre com o filho na escola. Porque está tudo registrado lá na
agenda, que para o estudante tem pouco serventia, por sinal.
A felicidade da mãe tinha dois
motivos: a possibilidade de passar o tempo todo observando o filho na escola, e
o fato de que em dois dias ele já não chorava mais ao chegar lá. "Ele já
está adaptado", me disse ela, orgulhosa.
Eu tive de discordar e,
inclusive, alertá-la para o fato de que ele poderia voltar a chorar, mas ela
duvidou. Uma semana depois, ela me contou que tirara o filho da escola, porque
ele não parava de chorar.
Por que a escola não preparou essa mãe para um longo processo de adaptação do
filho? Deixar de chorar ao chegar na escola não representa o aluno estar
adaptado; somente nos diz que ele aceitou separar-se da mãe por um período.
Muitas escolas não conhecem bem o processo de adaptação de uma criança em seu
espaço.
A outra mãe, cujo filho passou
para o sexto ano do ensino fundamental, me disse que na sala dele havia três
alunos em adaptação, e que isso estava atrapalhando o bom andamento do grupo.
Eu me espantei. Depois de um longo tempo em férias, da passagem de um tipo de
organização escolar para outro, em que até alunos universitários enfrentam
dificuldades, são só os alunos transferidos que passam por adaptação?
Muitas escolas consideram a
adaptação dos alunos um processo que tem mais relação com os pais do que com o
próprio aluno, e há pais que colocam os seus próprios interesses acima daqueles
que importam realmente aos filhos. Já é hora de nos lembrarmos, na prática, que
a escola é para os alunos, e não para satisfazer os anseios da escola ou das
famílias, não é?
Rosely Sayão – psicóloga e consultora em educação
Fonte: caderno cotidiano / jornal FSP