Ciberguerra tem dinâmica própria
Com
internet disseminada, guerra espalha seus efeitos ao redor do planeta.
Um elemento-chave na tragédia da Ucrânia consiste
nos desdobramentos imprevisíveis da prática de "ciberguerra". Em
paralelo ao conflito militar físico, há um outro conflito grave sendo travado no
campo da tecnologia da informação.
Vale notar que esse conflito virtual não começou
agora. Em 2015, a Ucrânia já havia sofrido ataques à sua rede elétrica que
geraram blecautes para milhares de pessoas. Muitos outros ciberataques foram feitos
desde então.
Isso demonstra
uma das características da ciberguerra: ela é persistente e generalizada.
Ocorre tanto em momentos de "paz" como de "guerra" e
perdura mesmo depois que as operações físicas se encerrem. Ciberataques,
infelizmente, são um estado permanente da condição humana atual.
É nesse contexto que decisões difíceis estão sendo
consideradas. Do lado dos países ocidentais, discutiu-se nos últimos dias a
possibilidade de excluir a Rússia da rede Swift.
Trata-se da rede bancária global
surgida em 1973 que permite a realização de pagamentos e transferências entre
bancos do mundo todo. Quando foi criada, a Swift era um arranjo praticamente
único (ainda que caro e cheio de ineficiências).
Hoje, em tempos de internet, a Swift concorre com
inúmeras alternativas e concorrentes.
Por exemplo, a China vem desde 2015
construindo sua própria rede interbancária global, chamada Cips.
A Índia e a
própria Rússia vêm fazendo ações similares. Além disso, a existência das criptomoedas criou também
alternativas a pagamentos e transferências internacionais.
Como resultado, excluir a Rússia da rede Swift pode
consistir em erro. Em vez de isolar o país como pretendido, pode acelerar outros
arranjos, que, por sua vez, aceleram a redução de importância dos sistemas
existentes.
Autoridades da Ucrânia e ocidentais também
solicitaram que as Bolsas de criptomoedas e infraestruturas de blockchain
passassem a recusar transações provenientes da Rússia.
Até agora a maioria
desses pedidos não foi atendida. Afinal, criptomoedas foram
criadas justamente como infraestruturas capazes de resistir a vários tipos de
intervenção externa, inclusive de governos.
É também relevante acompanhar mobilizações como do
grupo Anonymous no esforço de atacar alvos digitais na Rússia.
Ao mesmo tempo,
a empresa Starlink, de Elon Musk, anunciou que posicionaria seus satélites sobre a Ucrânia para
facilitar o fornecimento de acesso à internet aos cidadãos do país.
Até agora,
nem o Anonymous nem o Starlink parecem ter produzido qualquer resultado
realmente relevante com suas ações.
Já as redes sociais enfrentam um dilema singular.
Na sexta (4), houve relatos de que tanto o Facebook quanto o Twitter foram bloqueados na Rússia.
Ao mesmo tempo, essas mesmas plataformas acabam sendo utilizadas como palco
para propaganda de guerra e de influência.
Grupos no Telegram (sempre ele!)
também rapidamente se mobilizaram para coordenar ciberataques e como
quartéis-generais para disseminação de propaganda.
Em outras palavras, com a internet e a tecnologia
digital amplamente disseminada, a guerra acaba tendo um efeito de contágio.
Espalha seus efeitos ao
redor do planeta. Mais do que isso, revela como redes que até então eram vistas
como "neutras" são na verdade territórios de disputa permanente,
muitas vezes violenta.
RONALDO LEMOS - advogado, diretor do Instituto
de Tecnologia e Sociedade do Rio de Janeiro