Prevendo o futuro da internet


Ideia de fiduciários da informação faria surgir plataformas cuja principal obrigação é o zelo com dados de usuários.

 

Na semana (9/11), esteve em evento no Brasil um professor da Universidade Harvard que tem por hábito acertar suas previsões sobre o futuro da rede. Jonathan Zittrain falou, em evento organizado pela HSM, que costuma trazer ao país alguns dos mais interessantes pensadores da tecnologia.

Zittrain cofundou, em 1996 —aos 27 anos—, o Centro Berkman em Harvard, instituição pioneira em estudos da rede. Foi professor em Oxford e Stanford e membro das principais organizações técnicas que construíram a internet.

Sua característica é conjugar a formação como advogado com um conhecimento profundo das questões técnicas. Devo muito a ele. Fui seu aluno em Harvard e no Centro Berkman. Seu trabalho formou uma geração inteira de pessoas que tentam seguir seus passos.

Zittrain escreveu trabalhos que se mostraram acertados exercícios de futurismo. Enquanto boa parte dos pesquisadores tinha uma visão otimista sobre o futuro da rede, em 2008 ele lançou o livro “O Futuro da Internet e Como Pará-lo”. O livro é um conto moral sobre o que aconteceria na internet nos anos seguintes.

Zittrain previu como a rede livre e aberta construída nos anos 2000 enfrentaria ameaças que modificariam seus fundamentos. Essas ameaças, que incluem questões de cibersegurança a ataques coordenados, trariam um movimento de centralização e controle, que se mostrou verdadeiro.

Além disso, Zittrain escreveu, em 2014, o seminal artigo “Engineering an Election” (Fazendo Engenharia de uma Eleição). No texto, ele fez um alerta sobre como o movimento de centralização e controle da rede poderia ser manipulado para alterar resultados eleitorais.

O embrião das práticas que aconteceram nos anos seguintes em processos eleitorais de vários países —incluindo manipulação e supressão eleitoral— já estava vislumbrado no seu texto.

No que Zittrain está trabalhando atualmente? Vale olhar, porque ele costuma acertar suas projeções. Ele tem trabalhado com a ideia de “fiduciários da informação”. Fidúcia é palavra que significa “confiança”. Ela aparece, por exemplo, na relação entre médicos e pacientes, advogados e clientes, bem como outras profissões em que o profissional tem a obrigação de agir no interesse de quem o contrata, e não no seu próprio interesse ou no interesse de terceiros.

Por exemplo, corretores de imóveis nos EUA são obrigados a revelar para seus clientes se estão trabalhando no interesse do comprador ou do vendedor. Desse modo revelam de quem são “fiduciários”.

A ideia de Zittrain é que com relação aos dados pessoais e à informação de modo geral aplique-se também esse conceito. Ele faria surgir, por exemplo, plataformas cuja principal obrigação é com relação a seus usuários e com o zelo e a maximização de benefícios dos seus dados e informações.

Esse conceito pode ajudar a repensar a forma como a internet se organiza atualmente. Quem sabe pode até gerar uma nova geração de organizações que atuem como depositárias de dados e informações, atuando como “corretores” desses itens em benefício dos usuários. Já existem startups e iniciativas que fazem exatamente isso, mas são poucas.

Se Zittrain estará certo novamente nas suas projeções, só o futuro pode dizer.

Ronaldo Lemos - advogado, diretor do Instituto de Tecnologia e Sociedade do Rio de Janeiro.

Fonte: coluna jornal FSP

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