É comum se ouvir pessoas afirmando que “pagar aluguel é jogar
dinheiro fora”, quando perguntadas qual razão as levaria a adquirir um imóvel.
Mas será que isso é verdade?
A recente desaceleração econômica, conjugada às baixas taxas de
juros e à decepção de investidores nos mercados de risco tem levado muitos a
avaliarem o investimento imobiliário e fugir do aluguel.
Mas será que o aluguel é um dinheiro jogado no vaso? Para se
chegar a esta resposta é necessário entender o que representa o valor do
aluguel. Ou seja, como este valor pode ser dividido.
Para discutir este ponto, vamos avaliar a decisão de compra de
imóvel apenas sob a ótica de moradia como forma de não alugar.
A taxa de aluguel que você paga pode ser dividida em duas
partes: custo de financiamento e depreciação. O custo do financiamento existe,
pois alguém teve de comprar o imóvel que você usa. Portanto, é
como se você estivesse usando o dinheiro do proprietário para morar no seu
imóvel. Vamos primeiro falar deste custo do dinheiro e comparar com a taxa de
aluguel.
Qual a taxa média de aluguel no Brasil?
Conforme pode ser visto na figura abaixo retirada do relatório
produzido pelo FipeZap, divulgado em meados de abril, a taxa média de aluguel
no Brasil é de 4,81% ao ano. Isso quer dizer que uma pessoa, usualmente,
pagaria 0,40% do valor de mercado do imóvel ao mês como aluguel.
Comparando com títulos públicos
Perceba que esta taxa caiu seguindo a redução das taxas de
juros. Embora o portal relacione esta taxa com o CDI, esta comparação é equivocada.
A taxa a qual se deve comparar é a taxa de um título público referenciado a
IPCA de longo prazo. Isso ocorre, pois ambos – aluguel e o título de renda fixa
– são corrigidos pela inflação.
Quando em 2015 a taxa de aluguel atingiu 9% ao ano, a taxa do
título referenciado a IPCA de 30 anos chegou a 7,5%+IPCA ao ano. Em abril de
2020, a taxa deste título estava em 4,5% + IPCA ao ano.
Logo, se você tivesse o valor integral para comprar o imóvel
poderia pensar que estaria indiferente entre pagar o aluguel ou receber os
juros do governo, pois as duas taxas são muito próximas.
No entanto, o imóvel é um investimento de risco e o título
público não tem risco. Assim, seria esperado que o retorno do primeiro fosse
superior. Embora, usualmente o preço dos imóveis suba no longo prazo, se esta
alta for inferior à inflação, o título público pode ganhar em retorno.
Os imóveis se valorizaram mais que a inflação nos
últimos oito anos?
Segundo o portal FipeZap de 2011 a 2019 o preço médio dos
imóveis subiu 38,74%. Entretanto, a inflação acumulada pelo IPCA foi de 56,33%
no mesmo período. Logo, em oito anos o preço médio dos imóveis no Brasil não
foi capaz de valorizar a inflação.
O que ninguém considera quando paga o aluguel?
Recordo que mencionei que o valor do aluguel pode ser dividido
em duas partes. A primeira, discutimos acima e se refere ao custo do dinheiro e
sua relação com aplicações financeiras e o risco envolvido. A segunda parte
quase ninguém considera na avaliação.
Um imóvel é um bem que possui vida útil. Dizer que um imóvel
dura um século é meia verdade. De fato, sua estrutura básica pode durar muito
tempo.
No entanto, a cada vinte anos precisa realizar uma série de
investimentos. Por exemplo, pode ter de trocar o piso, armários, podem surgir
problemas de encanamento e eletricidade. O imóvel também pode ficar com sua
arquitetura ultrapassada e demandar reformas.
Esse é o chamado custo de depreciação. Se você compra um imóvel,
você é o responsável por realizar investimentos periódicos. O mesmo ocorre no
condomínio onde o imóvel está inserido. Lembre que o locatário só deve pagar a
taxa de condomínio básica e não eventuais reformas nele.
Quando se aluga, você fica livre de diversos investimentos
estruturais e não carrega o peso da depreciação. De fato, esta “taxa de
depreciação” deveria estar embutida no preço do aluguel, mas muitas vezes não
está.
De quanto seria esta taxa de depreciação?
É possível considerar que a cada vinte anos é necessário gastar
30% do valor do imóvel em troca de diversos elementos dele como os mencionados
anteriormente. Portanto, isso equivale a considerar um custo adicional de 1,5%
do valor do imóvel ao ano (= 30%/ 20 anos).
Assim, se você aluga e paga 4,8% de taxa de aluguel, essa taxa
poderia ser dividida em 1,5% de custo de depreciação e apenas 3,3% de custo do
dinheiro. Como você pode ganhar mais de 4%+IPCA ao ano em um título público,
alugar pode sair bem mais vantajoso.
Você deseja ter um imóvel ou quer morar em um imóvel que
deseja?
O sentimento de posse é algo natural. Queremos ter nosso próprio
carro, nossa casa, nossa casa de praia, nosso sítio.
Avalie com cuidado se seu desejo é de ter um imóvel maior ou de
se mudar para um imóvel maior. Seu desejo é de passar alguns finais de semana
na praia ou ter uma casa de praia.
Dados mostram que as pessoas trocam de casa a cada dez anos.
Esse número se eleva quando a idade da pessoa é inferior a 40 anos. Portanto,
comprar imóvel se tem menos de quarenta anos porque achou que esse era o imóvel
ideal, pode ser uma decisão inadequada.
Reflita sobre a real necessidade de passar por dificuldades de
financiamento, ou corrosão e imobilização de seu patrimônio concentrando em um
único ativo.
Como a compra envolve um grande valor e é uma decisão que custa
caro quando alterada em pouco tempo, antes de comprar, alugue o imóvel que
deseja morar e avalie se você realmente precisa possuir e se ele realmente é o
que desejava. Lembre-se, alugar pode ser a melhor decisão de investimento.
Michael Viriato -
professor de finanças do Insper e sócio fundador da Casa do Investidor.
Fonte: coluna jornal FSP