(Sim, sou antiga, do tempo do dicionário de papel...)
Inquieta, com 30 e poucos anos, deixei transbordar, já naquela época, minha
preocupação e insatisfação com a falta de noção do brasileiro sobre nação. “Boa
mistura de palavras” ele disse - noção e nação... E sorriu.
Eu me queixava da maioria dos governantes e administradores públicos, em todas
as instâncias e de diferentes partidos. Pessoas que só pensam no seu próprio
bem-estar, remuneração - lícita ou ilícita - ou em conseguir votos.
Gente que destrói bons trabalhos e iniciativas, feitos para a nação, se eles
tiverem sido realizados por alguém de um partido que pareça oposição. Gente
capaz de inventar uma obra que serve ao nada, a coisa nenhuma - ou até ao
“coisa ruim” - se puder camuflar dizendo: “Foi feita para o povo brasileiro.”
Eu me lamuriava e o professor me olhava... Quando parei de desfiar meu rosário
de desesperança, ele disse: “Minha filha, o problema está no sufixo.”
Eu, perdida, caçava na memória as aulas de português da Dona Mariazinha (foi
ela, a mãe da poeta Ana Cristina Cesar, que me despertou o gosto por alinhavar
palavras).
Voltando ao professor... “Sufixo” ele disse. Mas não fazia sentido. Como
explicar a falta de sentimento de nação através de um sufixo? Sim, eu lembrava:
sufixo é o elemento usado na formação de palavras pelo processo de derivação,
ou seja, é o final de uma palavra.
Diante da minha indisfarçável perplexidade - ou pura ignorância mesmo -,
professor Houaiss me socorreu explicando: o sufixo de nação é “ano” ou “ês”
Vamos lá: americano, australiano, italiano, africano, mexicano... Ou francês,
português, inglês, japonês... Cada vez mais atônita, só conseguia pensar por
que raios não somos brasilianos.
Mas ainda não me servia como explicação para a usurpação costumeira do bem
público. Aí o doce garimpeiro de palavras arrematou dizendo: “O sufixo ‘eiro’ é
de profissão: padeiro, carpinteiro, jardineiro, pedreiro...”
Eu, boquiaberta, como você deve estar agora, imaginando quantas pessoas vieram
para cá ser brasileiros. Ganhar dinheiro com nossas terras, pedras, rios,
florestas... Milhões ao longo de cinco séculos usando o Brasil como profissão
em vez de trabalhar para ele, por ele, pelo nosso povo, pela nossa nação.
O raciocínio me deu um certo alívio. Estaria no sufixo a explicação (não a
justificativa, veja bem) para os escândalos e denúncias de corrupção como Petrolão,
Mensalão, Operação Sanguessuga, Anões do Orçamento e tantos outros? Será...?
Pelo sim ou pelo não, sufixo ou não, como respeito a energia das palavras,
desde esse longínquo episódio, afirmo categoricamente: sou brasiliana, com
muito orgulho.