Brasiliana


Foi no século passado, lá pelos anos 90. Conheci um homem magnífico cuja estatura intelectual contrastava com o porte físico. Miúdo, o professor Antonio Houaiss me impressionou com seu jeito tranquilo, especialmente pela maneira como se expressava. Um gigante com as palavras. Foi presidente da Academia Brasileira de Letras, escritor, tradutor e fez o dicionário que tantas vezes me socorreu.

(Sim, sou antiga, do tempo do dicionário de papel...)

Inquieta, com 30 e poucos anos, deixei transbordar, já naquela época, minha preocupação e insatisfação com a falta de noção do brasileiro sobre nação. “Boa mistura de palavras” ele disse - noção e nação... E sorriu.

Eu me queixava da maioria dos governantes e administradores públicos, em todas as instâncias e de diferentes partidos. Pessoas que só pensam no seu próprio bem-estar, remuneração - lícita ou ilícita - ou em conseguir votos.

Gente que destrói bons trabalhos e iniciativas, feitos para a nação, se eles tiverem sido realizados por alguém de um partido que pareça oposição. Gente capaz de inventar uma obra que serve ao nada, a coisa nenhuma - ou até ao “coisa ruim” - se puder camuflar dizendo: “Foi feita para o povo brasileiro.”

Eu me lamuriava e o professor me olhava... Quando parei de desfiar meu rosário de desesperança, ele disse: “Minha filha, o problema está no sufixo.”

Eu, perdida, caçava na memória as aulas de português da Dona Mariazinha (foi ela, a mãe da poeta Ana Cristina Cesar, que me despertou o gosto por alinhavar palavras).

Voltando ao professor... “Sufixo” ele disse. Mas não fazia sentido. Como explicar a falta de sentimento de nação através de um sufixo? Sim, eu lembrava: sufixo é o elemento usado na formação de palavras pelo processo de derivação, ou seja, é o final de uma palavra.

Diante da minha indisfarçável perplexidade - ou pura ignorância mesmo -, professor Houaiss me socorreu explicando: o sufixo de nação é “ano” ou “ês” Vamos lá: americano, australiano, italiano, africano, mexicano... Ou francês, português, inglês, japonês... Cada vez mais atônita, só conseguia pensar por que raios não somos brasilianos.

Mas ainda não me servia como explicação para a usurpação costumeira do bem público. Aí o doce garimpeiro de palavras arrematou dizendo: “O sufixo ‘eiro’ é de profissão: padeiro, carpinteiro, jardineiro, pedreiro...”

Eu, boquiaberta, como você deve estar agora, imaginando quantas pessoas vieram para cá ser brasileiros. Ganhar dinheiro com nossas terras, pedras, rios, florestas... Milhões ao longo de cinco séculos usando o Brasil como profissão em vez de trabalhar para ele, por ele, pelo nosso povo, pela nossa nação.

O raciocínio me deu um certo alívio. Estaria no sufixo a explicação (não a justificativa, veja bem) para os escândalos e denúncias de corrupção como Petrolão, Mensalão, Operação Sanguessuga, Anões do Orçamento e tantos outros? Será...? Pelo sim ou pelo não, sufixo ou não, como respeito a energia das palavras, desde esse longínquo episódio, afirmo categoricamente: sou brasiliana, com muito orgulho.

Fonte: blog Ricardo Froes
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