O ministro da Educação, Ricardo Vélez Rodríguez, participa de audiência pública na comissão de Educação do Senado -
O Ministério da Educação não me dá uma coluna de folga. Eu estava com vontade de escrever sobre a Débora Garofalo, professora da cidade de São Paulo. Ela está entre as dez melhores professoras do mundo e é finalista do Nobel da Educação.
Também tinha um texto quase pronto sobre o Fundeb e por que, sem ele, as escolas podem ficar sem dinheiro. Nos meus rascunhos, havia um texto bem encaminhado sobre educação inclusiva e a febre dos laudos nas escolas.
Alguns dias atrás, o ministro mandou uma mensagem às escolas pedindo que o hino nacional seja entoado pelos alunos. Além disso, solicitou que os alunos fossem gravados. Também convidou os diretores a ler uma carta dele, ministro, aos alunos. A carta terminava com o slogan da campanha presidencial de Jair Bolsonaro e com uma menção aos novos tempos…
Enfim, dois dos três itens da requisição de Brasília são ilegais. Filmar crianças e adolescentes sem consentimento dos pais e responsáveis é vetado pela legislação. Usar a máquina pública para fazer a população recitar slogan de campanha é proibido pela Constituição —e deve render uma senhora dor de cabeça a Vélez Rodriguez.
Só o hino está dentro da lei. A regra foi colocada no ordenamento jurídico brasileiro em 1971 e, como não pegou, entrou de novo em 2009. Igualmente, sem sucesso.
Sala de aula da escola Gedeão Ribeiro, na zona rural de Buriti, interior do Maranhão. Município tem o menor orçamento de educação do país.
A nova trapalhada do MEC é grave, mas não necessariamente pelos efeitos. Eles tendem a ser nulos. A lambança é preocupante pelo que traz à tona. Se Vélez Rodríguez acha que vai mudar a cultura escolar por email, estamos feitos. Vamos por partes.
O ministério não tem a lista atualizada dos endereços (eletrônicos e físicos) de boa parte das escolas brasileiras. Provavelmente, centenas, talvez milhares de mensagens, tenham voltado aos servidores do MEC. Nas bases de dados, muitas escolas aparecem com emails como XXX@hotmail.com, localizadas na Rua 1, número 2.
Se Vélez Rodriguez quer deixar um legado real para a educação brasileira, poderia negociar com Paulo Guedes e fazer um censo escolar profundo, detalhado. Também poderia investir em tecnologia, para tornar a atualização dos dados mais fácil. Ah, essa também é uma boa oportunidade de fazer uma parceria com estados e municípios, responsáveis pela pujante maioria dos estabelecimentos de ensino do país. Mas provavelmente isso não vai acontecer tão cedo.
Ao atropelar os secretários estaduais e municipais de educação com essa medida, o MEC armou uma cilada para si mesmo. Primeiro, irrita as pessoas responsáveis por colocar a máquina da educação para funcionar. Sem parceria com as administrações locais, nada acontece, como bem sabem as pessoas que sentaram na cadeira antes de Vélez.
Segundo, o ministro entra numa embaraçosa contradição. O ministério prometeu mais Brasil e menos Brasília nas escolas. Sua mensagem aos diretores é Brasília na veia.
Por fim, mostra ignorância administrativa. O MEC não manda nas escolas do país (exceto na ínfima parcela sob administração federal). A mensagem do ministro pode ser solenemente ignorada —exceto se ele usar a punição prevista pela lei de 1971 e sair processando e multando milhares de escolas Brasil afora. Se ele resolver ir por esse lado, multando os gestores, boa sorte. As escolas públicas vão (metaforicamente) pegar fogo.
Para terminar, a guerra ao mundo real. O ministro provavelmente sabe que não se produz patriotismo por decreto. Parte do seu desejo, a cantoria, só vai virar realidade se vier acompanhada de pesada (e cara) fiscalização estatal.
Espero que isso não esteja na lista do governo. Porque, mesmo que o governo dê um jeito de colocar a PM para fiscalizar hino nas escolas, as pessoas não vão aceitar essa imposição tão facilmente. O mais provável é que o tiro saia pela culatra, criando aversão ao canto nacional.
Aliás, se quiser ver o resultado de leis que obrigam a entonação do hino, convido o ministro Vélez Rodríguez a ver um jogo nos estádios de futebol Brasil afora. Neles, a obrigatoriedade foi levada para outro patamar.
Em alguns estados, além do hino nacional, é mandatório executar o hino estadual. Na maior parte das arquibancadas, ninguém canta. E, quando a torcida é bem humorada, o hino é atropelado. Se o ministro tivesse perguntado ao presidente Jair Bolsonaro, ele poderia ter dado a dica. No estádio do Palmeiras, por exemplo, ninguém canta o “Ouviram do Ipiranga”. A letra foi substituída por “Palmeiras, meu Palmeiras, meu Palmeiraaaaaaasss”. Bolsonaro esteve no estádio recentemente e ouviu.
Invertendo um velho ditado, deixo uma sugestão para o ministro e para a sua equipe: às vezes, é melhor passar vontade do que passar vergonha. Até porque a realidade, nua e crua, vai bater na porta.
O maior ato de patriotismo que um ministro da educação pode ter é encarar a vida como ela é, gastando as melhores horas do seu dia em temas como aprendizagem dos alunos, valorização dos professores e infraestrutura das escolas. É pedir muito?
Fonte: Nova Escola |Leandro Beguoci é diretor editorial de Nova Escola (novaescola.org.br). Ele explica sobre o que funciona (e o que não funciona) na educação brasileira