Como proteger o cérebro da tecnologia?
Hoje
há cinco pilares aceitos para os neurodireitos.
Existe um novo campo de batalha para o avanço
da tecnologia. Trata-se do cérebro humano.
Desde 2010 tem havido uma virada
neural na forma como as aplicações tecnológicas se desenvolvem. A atenção
tornou-se um recurso precioso e escasso.
Se você a dedica para uma coisa, deixa
de dedicar a outra. Por isso a competição por atenção hoje é brutal. Filmes,
TV, streaming, vídeos curtos, redes sociais, games e aplicativos, todos
competem por nossa atenção.
Para ganhá-la, está se tornando necessário adentrar
nas preferências cerebrais mais profundas, inclusive inconscientes.
É nesse contexto que surgiu o debate global
sobre neurodireitos.
Como o nome indica, trata-se do
esforço de construir limites para o quanto a tecnologia pode adentrar o
cérebro humano para extrair dados e preferências, ou mesmo para
influenciar e modular o funcionamento neural.
A origem dos neurodireitos é a
constatação de que as neurotecnologias estão sendo aplicadas aqui e agora, não
são mais só da ficção científica.
Por exemplo, em 2014 o professor da universidade de
Berkeley, Jack Gallant, conseguiu com seu time criar algoritmos que decodificam em tempo real
o que o cérebro humano está vendo.
Sua equipe exibiu vídeos para pessoas dentro
de um equipamento de ressonância magnética.
Com os dados captados conseguiu
reconstruir com surpreendente sucesso as imagens em movimento que estavam sendo
vistas.
A questão é entender os limites das
neurotecnologias.
No caso de Gallant, o equipamento usado é caro e pesado
(ressonância). No entanto, hoje todos nós carregamos no bolso um dispositivo
tecnológico íntimo, com o qual convivemos o tempo todo: nossos celulares.
Em
que medida o uso de algoritmos e inteligência artificial é capaz de modelar
nossas reações cerebrais mais profundas, inconscientes até?
Seja pelo
deslocamento do olho, pelo deslizamento do dedo sobre tela, pelo movimento das
pupilas, expressões faciais, mini-reações físicas, entonações da voz, reflexos
involuntários, e assim por diante?
Para cada uma dessas áreas existem estudos
comportamentais abrangentes, cada vez mais incorporados nas tecnologias que
chegam pelo celular.
O pioneiro em proteger neurodireitos foi o Chile.
Fez inclusive uma emenda constitucional em 2021 que determina que o
"desenvolvimento tecnológico deve estar a serviço das pessoas, respeitando
a integridade psíquica.
A lei deverá resguardar a atividade cerebral e a
informação proveniente dela".
Hoje há cinco pilares aceitos para os
neurodireitos.
O direito à privacidade mental, à proteção da identidade e da
consciência, ao livre arbítrio, à igualdade de acesso ao benefício mental e o
direito à proteção contra discriminação feita por algoritmos.
Como dá para ver,
a preocupação é que o avanço das tecnologias sobre o cérebro possa afetar até
mesmo a forma como construímos nossa identidade, nossa percepção do mundo e
nossa capacidade de tomar decisões livremente.
Seriam esses 5 pilares suficientes? Estariam os
neurodireitos focados demasiadamente em tecnologias novas, como as interfaces
entre cérebro e máquina?
E se esquecendo de que tecnologias atuais pode
Vale dizer claramente: o que está motivando a
corrida tecnológica pela colonização profunda do cérebro em boa medida não é
compreender ou melhorar a condição humana, mas sim vender mais anúncios, cada
vez mais irresistíveis.
RONALDO LEMOS -
Advogado, diretor do Instituto de Tecnologia e Sociedade do Rio de Janeiro.